21 abril 2011

ninguém lhe sai ao caminho



Num post anterior, eu descrevi como na manhã do 25 de Abril, enquanto no Largo do Carmo, em Lisboa, o capitão Salgueiro Maia negociava a transferência do poder de Marcello Caetano para o general Spínola, o povo da cidade do Porto estava todo metido em casa.

Num comentário, o leitor D. Costa levanta a questão acerca da natureza das revoluções em Portugal, perguntando-me se eu posso ajudar a fazer luz sobre elas, especialmente sobre a facilidade com que triunfam. Julgo que posso ajudar porque essa é uma questão que, a mim próprio, anos a fio me intrigou, e só muito recentemente cheguei a uma resposta que me satisfaz.

A explicação popular segundo a qual os regimes depostos estavam podres é uma explicação que nunca me convenceu, menos ainda hoje. No caso do regime do Estado Novo, este era o regime de um pequeno país que enfrentava guerras coloniais em várias partes do mundo, da Guiné a Timor; que, para além das guerras colonias, enfrentava tesamente na cena diplomática, e nos principais aerópagos internacionais (v.g., ONU), a adversidade das principais potências mundiais, como a União Soviética e os próprios EUA; era um regime, que no ano anterior à sua queda, teve um crescimento económico de 11,2%, e cerca de 7%, em média desde a Segunda Guerra Mundial. O regime estava podre? Não estava, não.

Quanto às revoluções, aquela que mais me intrigava não era a de 1910 ou a de de 1974, porque essas partiram de Lisboa, mas a de 28 de Maio de 1926, e também o golpe das Caldas de 16 de Março de 1974, que precedeu o 25 de Abril.

No caso do 28 de Maio, o Marechal Gomes da Costa partiu de Braga com a sua coluna militar rumo a Lisboa. Demorou vários dias para lá chegar. Parou em Coimbra, onde ficou um dia ou dois, também em Santarém onde ficou dois dias. Quando entrou a Lisboa já foi recebido com vivas à Revolução. Demorou oito ou dez dias a chegar a Lisboa, e nunca ninguém lhe saiu ao caminho. Esta era a questão que me intrigava: durante este tempo todo, nunca uma unidade militar afecta ao regime o interceptou, nem uma?

O golpe de 16 de Março de 1974 foi semelhante. Uma unidade militar sai das Caldas da Raínha rumo a Lisboa. Faz o percurso de 100Km nas calmas e entra em Lisboa de madrugada também nas calmas. Ninguém lhe sai ao caminho. Chegada a Lisboa, fica à espera que outras unidades, previamente combinadas, se juntem a ela. Como ninguém aparece, resolve voltar para as Caldas e faz o percurso de regresso na maior das calmas. Em nenhum momento uma unidade militar afecta ao regime sai para a interceptar. A Revolução do 25 de Abril não foi antecipada para 16 de Março porque o comandante da unidade das Caldas não quis.

Curioso. Este parece ser um país em que um qualquer militar de patente que decida juntar atrás de si 50 homens e três blindados e marchar sobre o Terreiro do Paço faz uma revolução e triunfa, porque ninguém o incomoda pelo caminho. E, na realidade, é assim. E é isso que procurarei explicar num dos próximos posts.

Mas não sem antes me referir a uma outra característica da cultura portuguesa e católica, que é uma característica, também ela, eminentemente feminina - a tendência dos portugueses para romancear a realidade.

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