21 abril 2011

Ouro

Como tão bem notou o nosso leitor D. Costa neste post, o preço do ouro continua imparável, tendo ontem quebrado a barreira dos 1.500 dólares por onça. Trata-se de um máximo histórico, sendo que, em termos reais, o preço nominal ajustado pela taxa de inflação - e pela própria desvalorização do dólar -, ainda terá margem para novas valorizações. E, de facto, não é apenas o fosso entre preços nominais e preços reais que alimenta as expectativas daqueles que estão a apostar na valorização do ouro. A prolongada crise das dívidas soberanas, na qual também se insere a monetização da dívida pública norte-americana pela Reserva Federal, é o principal factor de sustentação desta tendência de alta nos metais que já dura há vários anos.

Porém, neste momento estamos próximos do momento que, julgo eu, será crítico. Refiro-me a duas situações em concreto. Primeiro, à decisão que os Estados Unidos da América serão forçados a tomar no que diz respeito ao financiamento dos seus próprios défices. Esta semana, através da ameaça de downgrade da S&P, tivemos o segundo aviso à navegação de Obama - o primeiro havia sido o anúncio por parte da influente PIMCO de que a perspectiva, quanto à evolução dos títulos do Tesouro norte-americano, era negativa - e que poderá ter consequências. Se os EUA tomarem os avisos como sérios, então, reduzirão o défice, o dólar inverterá a sua trajectória descente e o preço do ouro corrigirá. Se, pelo contrário, nada fizerem, e a Reserva Federal continuar a imprimir papel para financiar o buraco orçamental da América, então, o preço nominal do ouro continuará em alta. Quanto à segunda situação crítica, trata-se da resolução, que quer dizer reestruturação, que se aproxima, da dívida pública periférica no espaço da Zona Euro.

Ponto um: quando se fala dos EUA, é preciso não esquecer o facto de o dólar, para o bem ou para o mal, ainda ser a principal divisa de referência mundial, e que, se for preciso, pode ser manipulado pela Reserva Federal. Além disso, a América é a maior economia, politicamente integrada, do globo. Ou seja, é um mundo em si e o que se passa fora das suas fronteiras, num cenário de limite ou de ruptura, pode muito bem tornar-se irrelevante. Por fim, não esqueçamos que os EUA são os maiores detentores mundiais de reservas de ouro, o que faz com beneficiem, directamente, da valorização daquele metal. Dito isto, estou convencido de que os EUA tentarão conversar com os mercados, a fim de mitigar as expectativas dos analistas quanto à ausência de uma estratégia credível no que diz respeito à disciplina orçamental. Obama tem-se esforçado, porém, no domínio financeiro, recentemente, tem perdido credibilidade sempre que o tem feito. A prova disso é que agora, também, o Presidente da Reserva Federal, Ben Bernanke, inaugurará, a partir da próxima 4ª feira, uma nova era de diálogo e abertura - uma espécie de glasnost financeira, como lhe chama o WSJ -, introduzindo conferências de imprensa depois das decisões sobre taxas de juro, até hoje, inexistentes nos EUA. Creio que o mercado lhe dará o benefício da dúvida, que já não dá a Obama, mas, em última instância, a linha ideológica de Helicopter Ben será a mesma de sempre (veja-se aqui a trajectória do M2 na América) e que, honra lhe seja feita, sempre defendeu: larguem-se notas sobre o sistema! Dólar destruído? Paciência, será um mal menor. E quanto ao ouro cotado em dólares estamos conversados...

Ponto dois: à medida que o preço do ouro vai atingindo novos máximos relativos (em termos reais), aumentará a ansiedade daqueles países que, tendo um problema de dívida pública, possuem elevados stocks de ouro. De acordo com a Economist (Pocket World in Figures, 2011 edition, página 36), entre os 25 maiores detentores de reservas auríferas, os EUA, como já disse, qualificam em 1º lugar. Porém, se considerarmos toda a Zona Euro em conjunto, os EUA baixam para 2º lugar. E entre os países da Zona Euro mais bem posicionados na classificação temos a Itália (3º lugar, na classificação discriminada de países), Portugal (11º), Espanha (15º lugar) e a Grécia (25º). Pelo meio, há ainda um conjunto de outras nações que, por motivos económicos ou políticos, actualmente, também se encontram debilitadas, casos do Japão (8º), do Reino Unido (13º), ou, ainda, outras nações exóticas como a Venezuela (12º), Líbano (14º), Argélia (18º), Arábia Saudita (21º) e a Líbia (20º lugar). Ou seja, com tantos dedos nervosos ansiosos por apertar o gatilho, estamos a falar de quase duzentos e cinquenta mil milhões de dólares, a preços de mercado, em ouro open for sale, uma vez eliminadas as restrições institucionais à venda daquele metal. Em suma, um efeito mais do que suficiente para, no curto prazo, colocar um travão na progressão actual das cotações.

Ps: Apesar da minha argumentação, não posso deixar de admitir que estou contra a tendência, pelo que, uma boa ideia, para aqueles que acreditam na bondade de um investimento imediato em ouro, talvez seja comprar ouro, através de futuros ou de ETF's, procedendo depois à cobertura de risco do dólar, através de francos suíços.

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