Tem-se transmitido às gerações mais novas a ideia de que o povo português participou intensamente na revolução democrática do 25 de Abril, e que sem o fervor democrático do povo, a revolução teria provavelmente falhado.
Eu gostaria de pôr algum equilíbrio, e possivelmente verdade, nesta visão fantasiosa da realidade, transmitindo a minha observação daquilo que presenciei, respondendo à questão: "Onde é que eu estava no 25 de Abril?".
Eu tinha na altura vinte anos, era estudante do 2º ano na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, e, sendo a minha família de Lisboa, eu vivia num quarto alugado, perto do edifício do JN que fica localizado na Rua Gonçalo Cristóvão.
Na véspera, tinha estado a estudar até tarde, aproximava-se a altura dos exames. Na manhã do 25 de Abril devo ter-me levantado cerca das 9:30 ou dez horas. A dona da casa, uma senhora viúva, mal me viu saír do quarto avisou-me logo que tinha ouvido na rádio que havia uma revolução em Lisboa.
Espreitei à janela e não notei nada de anormal. A rua era pequena e habitualmente sossegada. Pelo que resolvi saír. Atravessei a Rua Gonçalo Cristóvão e dirigi-me em direcção ao centro da cidade. Em breve estava na Avenida dos Aliados. Desde que saíra de casa e até então teriam decorrido cerca de 10 minutos, e a única coisa que eu observei é que nao havia ninguém nas ruas - excepto um ou outro loner como eu - e as lojas estavam todas fechadas. O silêncio era total.
Virei à esquerda na direcção da Rua de Santa Catarina, e o cenário permanecia o mesmo, ninguém na rua e lojas todas fechadas. Foi já na Rua de Santa Catarina que eu vi a primeira e única acção dessa manhã de 25 de Abril de 1974. Olhando para baixo, a saír da Rua de Santo António e dirigindo-se para a Praça da Batalha, eu vi dois polícias fardados a correr, cacetetes abanando ao vento, a fugirem de um pequeno grupo de três ou quatro populares.
Foi nesse momento que eu me dei conta que era melhor voltar para casa.
Aquilo que eu não vi de certeza foi o povo, movido por qualquer fervor democrático, a fazer a revolução. Na realidade, a imagem distintiva que eu guardo dessa manhã é que não havia povo em lado nenhum.
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