Os eventos das últimas semanas na Turquia, nomeadamente a prisão de 200 membros do exército, alguns dos quais generais e elementos de alta patente, são, a meu ver, os factos mais relevantes, do ponto de vista geopolítico, ocorridos até agora em 2010. Mais importante do que as questões em redor do Irão. A razão é simples: em face do repúdio da Europa, que nega - e continuará a negar - à Turquia a sua plena adesão à União Europeia, os turcos estão a evoluir no caminho contrário, ou seja, no sentido da sua integração no mundo islâmico. De resto, estou convencido que, nos próximos anos, tacticamente, a Turquia estará para a União Europeia como o Japão estará para os Estados Unidos.
Quanto à Turquia, não obstante a realidade económica, que evidencia laços enraizados de comércio com a Europa, a verdade é que a componente religiosa se sente cada vez mais. A prova disso são os eventos recentes, que parecem indicar que a Turquia pode estar prestes a romper com a tradição secular do regime fundado pelo general Ataturk em 1923. A separação dos órgãos de Estado, laicos, da Religião tem sido o principal traço diferenciador da sociedade turca face ao resto do mundo árabe. E o exército tem sido o guardião dessa separação de influências.
Com a decapitação de algumas unidades do exército, justa ou injustamente, acusadas de planear um golpe de Estado, o Presidente Erdogan - que há uns meses, também, concedeu uma controversa amnistia a umas centenas de fanáticos curdos -, voluntariamente ou não, está a fazer uma ruptura. E está a fazê-lo porque o apoio popular assim o permite, e este, por sua vez, deriva da manifesta falta de vontade da Europa em assumir a Turquia como um dos seus membros. Não se pense, contudo, que eu defendo a adesão da Turquia à União Europeia. Pelo contrário, não estou nada convencido de que a Turquia, como um todo, constitua mão de obra qualificada (a iliteracia é, em média, superior à portuguesa). Porém, a União Europeia devia estabelecer laços mais próximos do que aqueles que hoje parece ter, nomeadamente no domínio da imigração qualificada. A alternativa é a "cedência" da Turquia ao mundo árabe, e a prazo, quiçá, ao fanatismo islâmico, o que para um país cujo exército é o 2º maior da NATO não seria grande ideia.
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