03 março 2010

Proteccionismo

À luz da doutrina social católica, que tenho vindo a expôr, é bom de ver que uma das principais prioridades para parar o empobrecimento progressivo do país é o de defender as pequenas comunidades que têm sido devastadas pelo processo impessoal do mercado, pela concorrência europeia e, em última instância pela globalização.
Voltando à cidade imaginária de Vilar de Papagaios que considerei aqui, metade da sua população para quem o capital humano de competências na produção de charutos se tornou obsoleto, vai ter de adquirir novo capital humano e muito seguramente, pelo menos em parte, vai ter de emigrar. Embora o Sr. João e a sua mulher, depois de frequentarem cursos de formação profissional, tenham agora ofertas de emprego, ele numa fábrica de lápis em S. Martinho da Maçaneta, ela numa fábrica de linhas em Atrás dos Quintais, será que estas são opções razoáveis? Certamente que não. Depois de terem perdido os empregos, eles vão destruir a família. A opção mais realista é emigrarem para Lisboa e levarem a família atrás porque é aí que existem fábricas de lápis e fábricas de linhas em abundância e onde os dois se podem empregar mantendo a família coesa.
A importação de charutos da China ou, para o efeito de qualquer outro bem, não torna apenas o capital humano da população de Vilar de Papagaios obsoleto e, portanto, inútil. Vai levar à emigração de metade da população e ao fecho de metade dos cafés, das casas de habitação, dos restaurantes, dos supermercados, dos dentistas, dos escritórios de contabilidade e de advogados que existem em Vilar de Papagaios, e provavelmente ao fecho do único hospital e da única escola que lá existem. O processo é cumulativo.
Existem dezenas de cidades, vilas e aldeias em Portugal que, nos últimos vinte anos, foram dizimadas pela concorrência europeia e pela globalização. O distrito da Guarda é significativo nesta matéria, porque é um dos mais atingidos. Segundo dados do INE, entre 1991 e 2008, apenas um município do distrito da Guarda aumentou a população - o munícipio da Guarda (ver aqui). Todos os outros, a perderam. Existem cidades, como Penamacor, que chegaram a perder 30%. Quem viajar pelo distrito da Guarda não pára de encontrar cidades-fantasma, Penamacor, Trancoso, Mêda, para mencionar apenas algumas. Estas cidades possuem todos os equipamentos sociais necessários. Têm tudo, excepto pessoas. Metade das casas de habitação estão fechadas, o comércio é pequeno, a agricultura é residual e a indústria geralmente inexistente.

Não fosse o Estado e estas cidades já tinham fechado. Virtuamente, os únicos empregos existentes são na Câmara Municipal, nos CTT, na CGD, na Segurança Social, no Tribunal. Visitei Penamacor há cerca de dois anos. Cheguei lá um domingo à tarde, depois do almoço. Parecia uma ciadade-fantasma. O único movimento na cidade era em torno da prisão. Em Trancoso, a qualidade e a profusão de equipamentos sociais, incluindo o Castelo, levou-me a pensar que os trancosenses devem ser os cidadãos que, em termos per capita, mais caros devem saír aos contribuintes portugueses.

Esta e outras observações semelhantes levaram-me a concluir que a principal razão da crescente concentração económica e centralização política em Lisboa não é o resultado de nenhuma tradição centralista dos portugueses, mas a consequência inevitável da concorrência que o mercado trouxe da Europa e do Mundo. Portugal é hoje o sexto país no mundo onde uma maior percentagem da população vive numa só cidade (Lisboa, mais de 30%). Embora o Estado Central, dominado por racionalidades socialistas nas últimas décadas, possa ter contribuido para este resultado, a principal contribuição veio do mercado. Não é de mais insistir que, se não fosse o Estado, mais de metade das pequenas cidades, vilas e aldeias do interior estariam fechadas.

O momento vai chegar em que nós vamos ter de nos desligar da União Europeia e da globalização e proteger as aldeias, vilas e cidades de Portugal, porque é aí que está a fonte de novos empregos, onde o capital físico está disponível (casas de habitação, piscinas, escolas, etc.), mas subutilizado ou simplesmentos inutilizado. Outros países vão ter de fazer como nós, os principais candidatos são a Espanha e a Grécia. E quanto mais depressa melhor, porque o desemprego não pára de subir.

É claro que ao invocar a Doutrina Social da Igreja para desenvolver este argumento, não se pode concluír que a Igreja defende o proteccionismo económico como princípio, porque tal não é verdade. Aquilo que a Igreja defende são soluções flexíveis, conforme as circunstâncias, soluções de equilíbrio para a comunidade e para as pessoas. Se a população de Vilar de Papagaios e a sua economia estivessem em franca expansão, de tal modo que o Sr. João e os outros pudessem rapidamente arranjar empregos alternativos ou até melhores, nenhuma objecção existiria ao comércio livre de charutos com a China. A Igreja não tem soluções ortodoxas, definitivas e universais para os problemas da economia e da sociedade. Só os economistas e outros cientistas sociais é que as têm. Aí eles são muito mais papistas que o Papa.

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