25 fevereiro 2010

Equilíbrio

É claro que a Igreja Católica não pode aceitar, sem mais, o argumento dos economistas em favor do comércio livre, que expus no post anterior. Ele esquece o conceito católico de comunidade, passa por cima do princípio católico da personalidade e dispensa a ideia católica de autoridade.
Mas então, em nome de uma massa anónima de portugueses poder agora comprar charutos ao preço de 7, em lugar de 10, vamos deixar ir à falência uma série de empresas nacionais, e lançar no desemprego o Sr. João mais metade da população de Vilar de Papagaios, onde a produção nacional de charutos está concentrada?
Mais devagar. Não vale a pena dizer que a sociedade é mais importante que o senhor João, porque a Igreja não aceita esse argumento, que é um argumento protestante. Na realidade, afirma o princípio oposto, o de que o Sr. João é mais importante do que a sociedade (neste princípio assenta, largamente, a ideia de liberdade católica).
O Sr. João corre o risco de ser despedido porque ele e os seus colegas não conseguem produzir charutos a um custo mais baixo do que 7 euros por unidade, como fazem os chineses. Isso é um facto, mas não esgota a verdade. O Sr. João tem 52 anos e uma família a sustentar, não há grandes oportunidades de emprego em Vilar de Papagaios, o Sr. João trabalha há 30 anos na indústria dos charutos, em parte fez-se homem lá, casou com uma colega da empresa, aprendeu lá a disciplina do trabalho e o respeito pelas hierarquias, e hoje ele próprio é chefe e um profissional respeitado por todos. Além disso é membro dos Bombeiros Voluntários, organiza jogos de futebol para a gaiatada, dá sempre um dinheiro para a paróquia ajudar os pobres. Vamos deixar que o Sr. João passe agora os dias no banco do jardim, sem estima e sem ser estimado, mesmo a receber o subsídio de desemprego, para a sociedade poder comprar os charutos mais baratos?
Não, não pode ser assim, tem de se encontrar outra solução, nem que demore algum tempo, mas esta de, de um momento para o outro, pôr o Sr. João no desemprego, mais a outra metade da população de Vilar de Papagaios, é que não pode ser. Para já, aquilo que há a fazer é exigir da autoridade que proiba a importação de charutos estrangeiros.
Perguntar-se-à, neste momento, se a Igreja Católica é a favor do proteccionismo e contra o comércio livre. Não. Em todos os documentos da Doutrina Social da Igreja, desde a Encíclica Rerum Novarum (1891) do Papa Leão XIII, eu não encontrei, e julgo que não existe, uma única instância onde a Igreja defenda explicitamente o proteccionismo económico. Então qual é a solução católica para este problema dos charutos? Um compromisso, uma solução de equilíbrio, uma solução que dê tempo ao tempo, mas que não seja a solução desumana dos economistas. Tem de ser uma solução que ponha em primeiro lugar o Sr. João, e todos os seus conterrâneos que se dedicam à produção de charutos, que o avalie não apenas pela sua produtividade a produzir charutos, mas nas múltiplas dimensões do homem que ele é (um bom pai, um homem sério e respeitado, um chefe justo e inspirador, sempre pronto a ajudar os outros, até a criançada da terra tem uma adoração por ele). A comunidade tem de fazer alguma coisa por ele.
Não, a Igreja não é proteccionista nem livre-cambista. A Igreja é em favor de soluções de equilíbrio, e de soluções de equilíbrio que, dependendo das circunstâncias concretas de cada caso, respeitem os princípios teológicos da Igreja. Equilíbrio - esta é a palavra-chave que descreve a essência da Igreja Católica como instituição, e sobre a qual eu gostaria de elaborar, deixando a procura de uma solução de equilíbrio para a questão dos charutos aos habitantes de Vilar de Papagaios e a todos os outros que, no país, são afectados pelo problema. São eles quem, conhecendo as circunstâncias concretas, mais capacitados estão para encontrar a solução.
Imagine uma rocha ou uma pedra muito grande e com muitas faces, portanto também com muitas arestas e com muitos vértices. Imagine, em seguida essa pedra erecta, assente sobre um dos seus vértices. É uma posição de equilíbrio muito difícil de atingir e de manter, mas ainda assim possível. Um homem que se aproxime de um dos lados e lhe dê um sopro, ainda que delicado, numa face e a pedra cairá para o outro lado. Para que tal não aconteça é necessário que em posição exactamente simétrica, um outro homem lhe dê um sopro com igual delicadeza para manter a pedra de pé. Imagine agora muitos homens a fazer como o primeiro e outros tantos a fazer como o segundo, e a pedra sempre de pé, apenas assente sobre um dos seus vértices. Um pequeno descuido, uma pequena força a mais de um dos lados, e a pedra cai.
É esta a imagem da Igreja Católica - e, no entanto, ela nunca caiu -, um equilíbrio delicado entre uma infinidade de forças opostas, entre o bem e o mal, a igualdade e a diferença, a autoridade e a anarquia, o homem e a comunidade, a liberdade e a escravidão, o amor e o ódio, o egoísmo e a caridade, o preto e o branco, a inovação e a tradição, o crente e o ateu, a verdade e a mentira ... entre Deus e o diabo. A Igreja Católica é uma instituição extraordinária, a mais extraordinária instituição que a humanidade jamais conheceu.


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