28 fevereiro 2010

fatherless

O Vasco Pulido Valente hoje no Público prevê que Portugal está a caminho do presidencialismo e em busca de um valor essencial - a autoridade. E faz uma prece, a de que, oxalá, tudo se passe dentro da legalidade. Eu não poderia estar mais de acordo (cf. aqui), a sociedade portuguesa anda à procura de um Pai, embora esteja céptico quanto à questão da legalidade.
A religião Católica é uma religião complexa e essa é uma das críticas que, desde o princípio, lhe foi apontada pelos protestantes - e existe certamente uma elevada complexidade na sua teologia, na sua liturgia, como até na sua doutrina social. Porém, como notou Chesterton, uma religião simples não sobrevive porque é uma religião falsa:
"Durante os últimos séculos assistimos à aparição de um punhado de religiões extremamente simples; de facto, cada nova religião procurou ser mais simples do que a anterior. A prova evidente de que isto é assim, reside não tanto no facto de essas religiões, em última instância, se terem mostrado estéreis, como no facto de demorarem tão pouco tempo a desaparecer" (cf. exemplos recentes aqui).
E acrescenta:
"Existe algo que liberalmente partilham todas as escolas de pensamento consideradas liberais: e é que a sua eloquência conduz sempre a uma forma de silêncio não muito distinta da modorra ... E essa tónica é o embotamento do espírito. Em termos simples, são religiões demasiado simples para serem verdadeiras". (*)
Dizer que o catolicismo é complexo é dizer apenas metade da verdade, correndo o risco de tirar conclusões falsas baseadas numa meia-verdade. O catolicismo é também simplicidade, na realidade, o catolicismo é o equilíbrio possível e delicado entre a complexidade e a simplicidade. Quem tiver a estamina e a curiosidade para passar por entre a complexidade da sua teologia, da sua liturgia e até da sua doutrina social, até se fazer luz, chega no fim a uma mensagem, que é também um apelo, e que é de uma simplicidade desconcertante: "Comportem-se como uma família, tratem-se como irmãos, respeitem o vosso pai e a vossa mãe!".
Todo o pensamento católico e toda a sua verdade - pretendo eu - pode ser entendido, em última instância, à luz desta mensagem simples cujo paradigma é a família, e é isso que pretendo agora ilustrar. Hans Kelsen, o pai do positivismo jurídico moderno, definiu a sociedade democrática como a fatherless society, uma sociedade sem pai.
E o que é uma família sem pai? É uma família sem ordem, uma família onde os filhos, uma vez chegados à adolescência, possuem o ambiente ideal para se comportarem como meninos-mimados, para fazerem tudo aquilo que querem e lhes dá na real gana, todas as maroteiras e tropelias, fomentarem toda a indisciplina e quebrarem todas as regras porque a mãe não tem o poder (físico) para os conter. Esta é família onde os mais velhos e mais fortes podem bater nos mais novos e mais fracos, e bater-se entre si, e onde não existe ninguém capaz de os pôr na ordem. Este é o ambiente propício para realizar o ideal moderno de liberdade, em que cada um quer ser livre para fazer o que lhe apetece, incluindo restringir a liberdade aos outros. (Qualquer semelhança com a sociedade portuguesa actual pode ser entendida como mera coincidência)
Como é que um pai ausente durante muitos anos, e que subitamente regressa a casa e observa este espectáculo, vai restaurar a ordem, a disciplina, as boas maneiras e o respeito? Pela persuasão e o exemplo? Talvez. O mais provável, porém, é que tenha de desatar à bofetada.
(*) Chesterton, En Defensa de la Complejidad, in Por Qué Soy Católico, op. cit., pp. 45-46

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