23 julho 2009

Dominus Iesus


Ao longo dos últimos dias o Joaquim tem vindo a desenvolver uma proposta fundamentada para a reforma do SNS, sem obter grande feedback. De tal modo que houve um momento em que pareceu desalentado por o seu esforço, e a importância que o assunto possui para todos os portugueses, ser recompensado com a habitual superficialidade e leviandade, senão clara grosseria, da maior parte dos comentário que suscitou.

Estamos de volta à incapacidade dos povos de cultura católica - excepção feita a uma pequena minoria, que inicialmente foi o clero - para debater qualquer assunto sério. Regresso a este tema, agora incidindo a minha atenção sobre o estudo das fontes necessário à discussão racional de qualquer assunto.

Ainda há poucos anos, na célebre Declaração Dominum Iesus, assinada pelo então Cardeal Joseph Ratzinger, a Igreja Católica voltou a reiterar que a sua é a única e a verdadeira interpretação do Cristianismo, isto é, dos textos sagrados da Bíblia. Comparando a doutrina da Igreja, condensada, por exemplo, no Catecismo, com a Bíblia, fica-se, por vezes, surpreendido pela enorme liberalidade de interpretação que a primeira faz da segunda. Foi, aliás, esta liberalidade que conduziu à Reforma Protestante e vinculou os protestantes ao princípio da "Sola Scriptura".

Nos países que ficaram sob a influência exclusiva da Igreja, o povo foi sempre desencorajado de ler a Bíblia. Não apenas isso. Ler a Bíblia era a primeira de todas as heresias, porque era o primeiro passo para questionar a interpretação que dela faz a autoridade que preside à única e verdadeira religião cristã - a Igreja Católica. Ler a Bíblia é ser anti-católico. Para os povos submetidos a esta cultura exclusiva, a verdade chega através das palavras de outros homens em posição de autoridade, não através do confronto activo da sua inteligência com as fontes da verdade. Para os povos de cultura católica, a verdade está naquilo que ouvem, não naquilo que lêem. Para eles, saber não tem nada que ver com estudar; tem que ver ou com inspiração divina (como aqui), ou, mais frequentemente, com espírito santo de orelha.

Por isso - e sempre salvaguardada uma pequena minoria que é excepção - o homem de tradição católica não tem uma opinião própria e independente sobre qualquer assunto, em primeiro lugar porque não estudou as fontes necessárias para chegar a ela. A opinião dele, se é que assim se pode chamar, é sempre a opinião de alguém que ele considera, certa ou erradamente, possuir autoridade, seja o amigo que é médico ou enfermeiro, o pároco da aldeia, o superior hierárquico, o chefe do partido, o ministro da saúde, o primeiro-ministro ou o Presidente da República.

Ora, o Joaquim não é nada disto. Por isso, salvo uma ou outra excepção, nem o Joaquim deveria esperar contribuições ao seu esforço nem, muito menos, que alguém lhe dê valor. A esmagadora maioria dos portugueses está, de facto, à espera que alguém decida por eles. Foram sempre outros a dizerem-lhes a verdade; eles não estão habituados a procurá-la - algo que, só por si e na sua cultura, sempre constituiu uma heresia.

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