Educar consiste em moldar o espírito das pessoas, fazer-lhes a cabeça, como se diz na linguagem popular, incutir-lhes no espírito as ideias, as atitudes e os valores que vão governar a sua vida, e que depois passam de geração em geração. A Igreja foi a primeira instituição de ensino na história da civilização, e os padres o primeiro corpo de professores profissionalizados. Até pelo menos ao séc. XVI e à Reforma Protestante, a Igreja teve o monopólio da educação no Ocidente e, em Portugal, praticamente até ao início do século XX. A religião cristã dominava então a mente das pessoas, porque lhes fornecia um quadro de pensamento e acção que dava sentido às suas vidas, e todos os problemas da vida eram vistos à luz da religião (o célebre episódio de Galileu ilustra como a ciência nascente estava também sujeita ao escrutínio da religião).
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A maneira como os portugueses pensam, a forma como raciocinam, reagem e interagem uns com os outros, os seus valores e o seu código de moralidade foram-lhes incutidos no espírito ao longo dos séculos, e começando muito antes da nacionalidade (acredita-se que S. Paulo pregou no território que hoje é Portugal) pelo magistério da Igreja. É neste sentido que tenho afirmado que a cultura portuguesa é uma cultura predominantemente católica.
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Mesmo depois de a Igreja ter perdido o monopólio da educação em Portugal, pouco se alterou, e nada no essencial. O código de moralidade permanece, no essencial, o código católico. É certo que as matérias ensinadas se alargaram e os professores passaram a ser laicos, mas tudo o resto se manteve igual. Os métodos de ensino prevaleceram (sobretudo o magistral); os materiais de ensino são essencialmente os mesmos (a sebenta ou livro-texto, desencorajando a consulta das fontes, e fazendo recordar o recurso ao Catecismo, em lugar da Bíblia); a distância que o professor mantém do aluno, e a altura a que se coloca em relação a ele, mantiveram-se inalteradas, desencorajando o debate e reforçando a posição da autoridade docente; a falta de originalidade intelectual nas escolas e nas universidades portuguesas, e dos seus professores, não se alterou: os professores permaneceram meros repetidores de doutrinas feitas, não seus criadores. Na universidade, os trajes académicos são ainda os dos padres, as orações de sapiência, proferidas a partir de um púlpito, não deixam margem para engano acerca da sua origem, e a curiosidade intelectual que suscitam é, em geral, a mesma de uma homilia.
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O magistério da Igreja Católica é a principal fonte daquilo que chamei a cultura portuguesa. Mas como é que a Igreja maximiza as receitas das Penitências? A resposta é: maximizando o número de pecadores na sociedade. Está aqui a origem do carácter essencialmente pouco cristão das sociedades católicas em comparação com as sociedades protestantes, a que me tenho referido. (Nas sociedades protestantes ninguém vende penitências - só Deus pode perdoar os pecados - e, portanto ninguém sente necessidade de ter pecadores por perto para as comprar).
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A "Lei de Say" na Economia estabelece que a oferta cria a sua própria procura. As empresas farmacêuticas têm interesse em fazer crer às pessoas que elas estão sempre doentes; os bancos propagam a mensagem que é um perigo ter o dinheiro debaixo do colchão; os professores passam o tempo, aberta ou veladamente, a apelidar os seus concidadãos de ignorantes. A Igreja que que vende o perdão dos pecados e durante séculos teve o monopólio da educação na sociedade - o equivalente, no presente, a ter os monopólio dos meios de comunicação - criou uma cultura de pecadores. A Igreja pôde finalmente relaxar quando, nos países sob a sua influência exclusiva e milenar, eram agora os cidadãos que espontaneamente acabavam todas as conversas a atribuirem-se pecados uns aos outros.
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Uma instituição que deriva uma parte das sua receitas e da sua influência social do perdão dos pecados, tem de ter pecadores na sociedade, e se eles não surgirem espontaneamente, ela própria tem de os criar, caso contrário cessa uma das razões da sua existência, tem uma quebra de receitas, e pode até ir à falência. Não apenas isso, pelo menos em épocas de maior aperto financeiro ou para financiar a sua expansão, ela tem de ter pecadores em abundância, senão mesmo de os maximizar. Ora, esta é precisamente a instituição que ao mesmo tempo define também o que é o pecado, e a sua definição, por virtude do seu monopólio na educação durante séculos, era generalizadamente aceite pelo mercado.
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A estratégia mais eficaz para maximizar o número de pecadores no mercado consiste em estabelecer padrões morais tão elevados que ninguém os consegue cumprir, assim criando na sociedade a ideia de que todos são pecadores. E foi isso que a Igreja fez, ao ponto de tornar o Cristianismo quase que exclusivamente uma doutrina moral. Os países sujeitos à influência exclusiva do catolicismo, como Portugal, tornaram-se assim países de moralistas - que não de filósofos ou cientistas -, uma espécie de comerciais de uma empresa que pregava uma moral tão elevada quão elevada era a sua expectativa de que ninguém a conseguisse cumprir.
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O caso dos padres constitui, a este respeito, uma estratégia de marketing de uma eficácia considerável. A moralidade a que a instituição desde sempre sujeitou os padres (vg., celibato, castidade) é de tal modo elevada ao ponto de se tornar desumana. Não surpreende, portanto, que raros sejam aqueles que a conseguem cumprir integralmente. Mas o não-cumprimento pela esmagadora maioria dos padres do código de conduta a que a Igreja os sujeitou apenas serviu para reforçar no mercado a convicção de que todos os homens são pecadores: "Pois se até os padres pecam, o que será de mim...". Os jornalistas que hoje em dia fazem grandes manchetes acerca dos pecados dos padres católicos, como o da pedofilia, nem sempre se apercebem que estão a promover a pedofilia na sociedade e, em última instância, o negócio da Igreja, sobretudo nos países, como Portugal, onde ela não tem uma concorrência credível.
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