Depois de uma longa digressão, eu penso que estou agora em condições de voltar a dar os primeiros passos na área que é a da minha especialidade - a Economia. Tudo começou quando, há já algum tempo (cf. aqui, aqui e aqui), eu me interroguei sobre as causas desta gravíssima crise económica e financeira que caíu sobre o mundo e que eu vejo com enorme preocupação porque vai provocar feridas profundas em cada um dos diferentes países, que vão demorar anos a curar.
Porquê esta crise, como é que se explica uma coisa com esta dimensão?
Eu devo acrescentar que não acredito nas teorias existentes e não me sentiria um verdadeiro universitário (um universitário protestante, cf. post anterior), se me ficasse pela sua interpretação à luz das teorias existentes. Elas são basicamente duas. A primeira é a marxista que vê esta crise como um falhanço do sistema capitalista ou de mercado, uma crise de sobreprodução motivada pela ganância dos capitalistas. A segunda é a liberal (interpretada neste blogue pelo comentador CN) que vê a crise como uma consequência da má condução das políticas monetárias e do mau arranjo das instituições monetárias, e em que a culpa cabe, não ao mercado, mas ao Estado. A minha convicção é que nenhuma destas teorias possui a verdade, embora ambas possuam alguns elementos da verdade, a marxista mais do que a liberal.
Eu pretendo propôr uma outra explicação, um outro caminho - numa palavra, uma outra tese - para explicar a crise. Não saberei fazê-lo por inteiro já neste post, nem provavelmente nos próximos vinte, mas acabarei por lá chegar. O meu propósito neste post é somente o de colocar a primeira pedra. E a primeira pedra é a resposta à seguinte questão: "De toda a discussão que fiz recentemente, comparando a tradição católica e a tradição protestante, se eu tivesse de resumir numa única frase a diferença principal entre as duas, se eu tivesse, por outras palavras, de extraír o sumo da discussão, o que é que escreveria?
Escreveria assim: "Nos países de tradição protestante as pessoas pensam a vida em termos de justiça e nos países de tradição católica as pessoas pensam a vida em termos de verdade".
É com base nesta conclusão que eu me proponho agora analisar um problema económico. Admitamos um país onde se produzem túlipas. O custo médio de produção (incluindo o lucro normal que permite ao empresário manter-se no negócio) é de 10 euros por túlipa. As túlipas vendem-se correntemente no mercado a 500 euros cada uma e não faltam compradores.
O que pensar desta situação?
Num país de tradição protestante, as pessoas, que pensam sobretudo em termos de justiça, perguntam: "Há alguém que se queixe?" ("Are there any claims of unfairness or injustice"?) e, não vendo ninguém que se queixe, pelo contrário, vendo compradores e vendedores alegremente transaccionando túlipas a 500 euros a peça, consideram que está tudo bem. O preço é justo - e aceitam a situação.
Num país de tradição católica, as pessoas, que pensam por um critério diferente, vão avaliar a situação por um critério diferente também: "Será aquele preço verdadeiro, corresponderá ele ao verdadeiro valor das túlipas?". Existe uma medida para o verdadeiro valor, o custo de produção (10 euros). Porém, o preço de mercado (500 euros) não tem correspondência com a verdade. Este preço é uma mentira - e condenam a situação
Quem está certo? Ambas as respostas - embora contraditórias - estão correctas, os critérios de avaliação é que são diferentes. No primeiro caso, utilizou-se o critério da justiça, no segundo caso o critério da verdade. Argumentei noutro post que o mercado, sendo uma instituição protestante e baseada na litigação, é um mecanismo ou instituição de justiça. O meu propósito com este exemplo foi precisamente o de mostrar que, sendo embora uma instituição da justiça, o mercado não é uma instituição da verdade. Do mercado pode saír justiça, mas não sai necessariamente verdade.
.
Nota: O exemplo das túlipas não é meramente imaginário. Aconteceu na Holanda no século XVII numa bolha especulativa que ficou conhecida por tulipomania.
Porquê esta crise, como é que se explica uma coisa com esta dimensão?
Eu devo acrescentar que não acredito nas teorias existentes e não me sentiria um verdadeiro universitário (um universitário protestante, cf. post anterior), se me ficasse pela sua interpretação à luz das teorias existentes. Elas são basicamente duas. A primeira é a marxista que vê esta crise como um falhanço do sistema capitalista ou de mercado, uma crise de sobreprodução motivada pela ganância dos capitalistas. A segunda é a liberal (interpretada neste blogue pelo comentador CN) que vê a crise como uma consequência da má condução das políticas monetárias e do mau arranjo das instituições monetárias, e em que a culpa cabe, não ao mercado, mas ao Estado. A minha convicção é que nenhuma destas teorias possui a verdade, embora ambas possuam alguns elementos da verdade, a marxista mais do que a liberal.
Eu pretendo propôr uma outra explicação, um outro caminho - numa palavra, uma outra tese - para explicar a crise. Não saberei fazê-lo por inteiro já neste post, nem provavelmente nos próximos vinte, mas acabarei por lá chegar. O meu propósito neste post é somente o de colocar a primeira pedra. E a primeira pedra é a resposta à seguinte questão: "De toda a discussão que fiz recentemente, comparando a tradição católica e a tradição protestante, se eu tivesse de resumir numa única frase a diferença principal entre as duas, se eu tivesse, por outras palavras, de extraír o sumo da discussão, o que é que escreveria?
Escreveria assim: "Nos países de tradição protestante as pessoas pensam a vida em termos de justiça e nos países de tradição católica as pessoas pensam a vida em termos de verdade".
É com base nesta conclusão que eu me proponho agora analisar um problema económico. Admitamos um país onde se produzem túlipas. O custo médio de produção (incluindo o lucro normal que permite ao empresário manter-se no negócio) é de 10 euros por túlipa. As túlipas vendem-se correntemente no mercado a 500 euros cada uma e não faltam compradores.
O que pensar desta situação?
Num país de tradição protestante, as pessoas, que pensam sobretudo em termos de justiça, perguntam: "Há alguém que se queixe?" ("Are there any claims of unfairness or injustice"?) e, não vendo ninguém que se queixe, pelo contrário, vendo compradores e vendedores alegremente transaccionando túlipas a 500 euros a peça, consideram que está tudo bem. O preço é justo - e aceitam a situação.
Num país de tradição católica, as pessoas, que pensam por um critério diferente, vão avaliar a situação por um critério diferente também: "Será aquele preço verdadeiro, corresponderá ele ao verdadeiro valor das túlipas?". Existe uma medida para o verdadeiro valor, o custo de produção (10 euros). Porém, o preço de mercado (500 euros) não tem correspondência com a verdade. Este preço é uma mentira - e condenam a situação
Quem está certo? Ambas as respostas - embora contraditórias - estão correctas, os critérios de avaliação é que são diferentes. No primeiro caso, utilizou-se o critério da justiça, no segundo caso o critério da verdade. Argumentei noutro post que o mercado, sendo uma instituição protestante e baseada na litigação, é um mecanismo ou instituição de justiça. O meu propósito com este exemplo foi precisamente o de mostrar que, sendo embora uma instituição da justiça, o mercado não é uma instituição da verdade. Do mercado pode saír justiça, mas não sai necessariamente verdade.
.
Nota: O exemplo das túlipas não é meramente imaginário. Aconteceu na Holanda no século XVII numa bolha especulativa que ficou conhecida por tulipomania.
Sem comentários:
Enviar um comentário