24 fevereiro 2009

agitador


Num post anterior defendi a tese que os juizes nos países de tradição católica, como Portugal, são predominantemente condenadores, aos passo que os juizes nos países de tradição protestante, como os EUA, são predominantemente julgadores. Afirmei então que esta diferença tinha a sua correspondente na classe dos professores. É sobre esta última que pretendo agora elaborar.

Em Portugal um professor é essencialmente um ensinador, ao passo que nos EUA um professor é essencialmente um agitador. O país de tradição católica opera a sua unidade em torno da ideia de verdade e ao professor compete ensinar a verdade. Pelo contrário, o país de tradição protestante realiza a sua unidade em torno da ideia de justiça, a qual pressupõe litigação e a existência de litígio. O professor desta tradição é, portanto, o homem que põe em causa as verdades estabelecidas, que gera litígio acerca delas, e é assim que ele se torna um agitador.

O ambiente típico de uma aula num país de tradição católica é o de uma comunicação unilateral do professor para os alunos, na qual o professor ensina aos seus estudantes as verdades do seu domínio do saber. Muito diferente é o ambiente de uma aula num país como os EUA. A função do professor é pôr os alunos a discutirem sobre o tema escolhido para a aula, competindo-lhe lançar a discussão, quase sempre através de uma tese que contradiz as verdades estabelecidas, e actuando como árbitro ou juiz.

A distinção torna-se ainda mais nítida ao nível universitário. O universitário português é tipicamente o ensinador (enseignant, teacher) que, a partir de uma sebenta ou livro-texto, repete rigorosamente a sebenta ou o livro-texto nas aulas, ano após ano, década após década, até se reformar. Este tipo de universitário não tem valor académico na América, pois que valor intelectual se pode atribuir a um homem cujo único feito é o de ser capaz de repetir, ainda que com rigor, as verdades estabelecidas no seu domínio do saber? O universitário apreciado num país de tradição protestante possui uma natureza muito diferente. É o homem que propõe ideias (teses) novas no seu domínio do saber, e as consegue provar, pondo em causa as verdades estabelecidas. É um verdadeiro agitador, mais frequentemente conhecido na gíria universitária pela designação de investigador (rechercheur, researcher). É este tipo de universitário que recebe os Prémios Nobel da ciência porque é ele que contribui para o avanço ciência, não o outro que meramente reproduz as verdades estabelecidas da ciência.

Tendo chegado a este ponto, é agora possível compreender cabalmente porque é que as sociedades de tradição protestante se desmoronam pelo seu sistema de educação, ao passo que as sociedades de tradição católica desabam pelo seu sistema de justiça. No país de tradição católica, os juizes são condenadores e a sociedade entra em ruptura - caracterizada pela anarquia - quando os juizes já não conseguem condenar ninguém, deixando de cumprir a sua função. Pelo contrário, no país de tradição protestante, os professores são agitadores e a sociedade entra em ruptura - caracterizada pela confrontação social violenta - quando nela se instala a ortodoxia e a intolerância e os professores ficam impedidos de cumprir a sua função de agitadores.
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(Imagem: Gary Becker, Prémio Nobel da Economia (1992), na minha opinião o mais criativo e iconoclasta (agitador) dos economistas modernos).

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