21 fevereiro 2009

elites naturais


Eu gostaria neste post de retomar o tema da caracterização das tradições Católica (C - representada pelo triângulo da esquerda) e Protestante (P - representada pelo triângulo da direita), nas suas formas puras, que inicialmente desenvolvi aqui, para me concentrar num tópico que então referi sem elaborar - o das elites (a região A interior aos triângulos (*)).

A minha questão é: Qual é a elite natural da sociedade C e qual é a elite natural da sociedade P?

Começo pela sociedade P. Como mostra a posição do triângulo invertido, assente sobre o vértice, esta é uma sociedade que vive de um equilíbrio muito delicado e precário que lhe é fornecido pela elite (a região do triângulo junto ao vértice invertido). Tire-se-lhe a elite e ela desmorona-se. Na sociedade C é diferente. Tirar-lhe a elite, decapita-a, por assim dizer, mas ela sobrevive assente como está numa base larga e sólida.

A diferença principal entre a tradição P e a tradição C é a preocupação da primeira com as fontes, com a interpretação rigorosa das Escrituras e a aplicação rigorosa dos princípios que elas contêm. Logo se vê, portanto, que o homem mais necessário a esta tradição é aquele que melhor é capaz de interpretar as leis divinas e as fazer aplicar. É o man of law, o legislador, o juiz, o magistrado, o advogado até. A elite natural da sociedade P é constituída por aquela classe de homens que, em Portugal, se designa genericamente por juristas.

A sociedade católica, pelo contrário, assenta numa base muito larga (veja a base do triângulo do lado esquerdo) que corresponde a uma interpretação muito ampla e liberal das Escrituras - na realidade, uma interpretação em que o liberalismo é levado ao limite -, que é interpretação que lhes é dada pelo Catecismo da Igreja Católica. O tipo de homem que é mais necessário a esta tradição é o doutrinador, o homem que é capaz de estender uma doutrina até aos seus limites, por forma a adaptá-la a todas as variedades de homens e culturas humanas existentes no mundo, e ainda assim fazê-lo de tal forma que nenhuma dessas cultura seja fracturada pela doutrina, mas, pelo contrário, seja capaz de reforçar a sua coesão e potenciar a sua prosperidade.

Logo se vê, porém, que este doutrinador não pode ser um intelectual qualquer, e que ele necesita possuir uma outra qualidade em elevadíssimo grau. A razão é que a doutrina católica é tão ampla no seu liberalismo, e o seu liberalismo é tão puxado aos extremos, que basta uma pequena falha no entendimento de um pormenor, um pequeno mal-entendido, para que ela deixe de ser uma doutrina liberal e facilmente se converta numa doutrina de libertinagem. A fronteira que separa uma da outra é um fio de enorme delicadeza.

Segue-se que o doutrinador da tradição católica, para ser um verdadeiro homem de elite, deve possuir a capacidade para explicar com precisão, ao detalhe e com exactidão, onde se localiza essa fronteira, o fio que separa a doutrina liberal do catolicismo da libertinagem a que essa doutrina conduz se a fronteira fôr ultrapassada. Ele deve possuir, por outras palavras, e em alto grau, a qualidade docente. A elite natural de uma sociedade de tradição católica é, em consequência, constituida pela classe dos professores.

(*) A região B corresponde àquilo que o Joaquim designa por populaça.

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