21 fevereiro 2009

Ouvi dizer ...


"I read an article which says that ...". Ele leu um artigo que diz ... É assim que um americano, um inglês, um canadiano comunica aos outros uma novidade que acaba de conhecer.

"Ouvi dizer que ...". É assim que faz um português. O americano leu, o português ouviu dizer.

Num país de tradição protestante, como os EUA, as pessoas tomam conhecimento das coisas, lendo (em primeiro lugar as Escrituras). Num país de tradição católica, as pessoas tomam conhecimento das coisas, ouvindo (em primeiro lugar, o padre a explicar as Escrituras).

A forma como se propagam as novidades ou notícias é, assim, muito diferente numa sociedade e na outra. Na primeira, a sociedade protestante, a novidade nunca é desligada da fonte e qualquer pessoa pode confirmar, de forma independente, a exactidão daquilo em que consiste a novidade, ou a exactidão da forma como ela lhe foi transmitida, lendo a fonte.

Diferente é a situação num país de tradição católica. A confirmação quanto à exactidão daquilo em que consiste a novidade ou quanto à forma como ela é transmitida exigiria que todos entrassem em contacto com a pessoa que a proclamou e esta se dispusesse a ser inquirida por todos - uma impossibilidade prática, tanto mais que o autor-fonte da novidade é frequentemente desconhecido ou até anónimo. Neste país, então, as novidades tendem a ser propagadas de boca- em-boca, desligadas da sua fonte, e sem qualquer preocupação de saber, se elas são ou não fieis à fonte.

As notícias ou novidades em Portugal ganham, assim, uma vida própria neste processo de passagem sucessiva de boca-em-boca, de diz que disse, onde cada pessoa lhe junta uma pequena nuance, omite um detalhe, ou acrescenta um pormenor, de tal maneira que, no final do processo, a novidade não tem mais correspondência, nem mesmo longínqua, com a realidade da fonte que lhe deu origem.

É esta característica da cultura católica que confere aos portugueses a sua merecida fama de boateiros e caluniadores incorrigíveis. Ponha uma pequena novidade maliciosa a circular acerca de uma certa pessoa. Deixe passar o tempo e, em breve, os portugueses olharão para essa pessoa como tendo cometido um crime gravíssimo. E saltar-lhe-ão todos em cima , e merecidamente, porque é assim que se trata quem comete crimes graves. Nesta cultura, o boato e a calúnia são armas letais.

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