06 fevereiro 2009

de avião


Eu gostaria neste post de voltar a um tema que aflorei inicialmente aqui - a distinção entre pensamento abstracto e pensamento concreto. Poderá ter resultado daí a ideia, ao creditar ao pensamento abstracto o progresso da ciência e da filosofia, e ao atribuir a predominância de pensamento concreto aos portugueses, que eu considero o pensamento abstracto superior ao pensamento concreto. Não é o caso. Ambos têm as suas vantagens e os seus inconvenientes.

Gostaria de dar um avanço a este tema, começando com uma analogia, diferente da analogia da floresta. O pensamento abstracto é como ver o mundo de avião. Vê-se a terra e o oceano, distinguem-se as colorações do solo, observam-se as grandes tendências da natureza - mas não se vêem nem árvores nem pessoas. O pensamento abstracto é uma forma de macro-pensamento que permite ver a "big picture".
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Pelo contrário, o pensamento concreto é como ver o mundo lá da minha rua, vejo o Manuel e o Joaquim, o carro do senhor António, a árvore ao canto do jardim, mas não me apercebo que o rio corre para o mar nem a côr dos telhados das casas. O pensamento concreto é uma forma de micro-pensamento que se concentra nos indivíduos e nos acontecimentos singulares.

Esta distinção tem uma enorme importância, não apenas para o debate intelectual, mas em muitos outros sectores, como por exemplo na política. Como referi anteriormente, Immanuel Kant é o pai do pensamento asbtracto moderno. Trata-se até de um caso extremo, como convém aos fundadores: ao pretender ver o mundo de avião, ele descuidou-se, e deixou que o avião subisse tanto que, a certa altura, ele já não via mundo nenhum, mas apenas nuvens. Kant, se vivesse hoje, seria um homem de esquerda (em Portugal, se tivesse partido, seria o PS) porque aquilo que caracteriza a esquerda é a predominância, no seu discurso, de formas abstractas de pensamento.

Ora, as formas abstractas de pensamento só podem ser combatidas contrapondo-lhe formas concretas de pensamento. Considere este exemplo. Os democratas portugueses da altura (hoje não seria diferente), os amantes da liberdade consideravam que, pelo facto de o Marquês ter subtraído a sociedade portuguesa à influência decisiva do clero, a tinha libertado e, por isso, tornaram o Marquês de Pombal o herói da liberdade. A ideia de liberdade possui neste discurso um mero conteúdo abstracto.

E é utilizando uma forma de pensamento concreto que Camilo dá cabo dos amantes da liberdade, mostrando com factos concretos e documentados acerca da vida do Marquês que na nossa história nunca houve um homem tão cruel e tão déspota, um inimigo tão grande da liberdade, como o próprio Marquês de Pombal. Camilo representa aqui, do ponto de vista intelectual, os portugueses no seu melhor.

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