05 fevereiro 2009

os ultraliberais de 1882


O livro de Camilo sobre o Marquês de Pombal referido aqui foi escrito em reacção à homenagem que os três partidos parlamentares da altura, em consenso, decidiram levar a cabo por ocasião do centenário (1882) da sua morte (1782). É dessa altura também que data a decisão de erigir a estátua (só completada muito mais tarde) que ainda hoje adorna a Praça Marquês de Pombal em Lisboa.

O livro - que foi publicado somente depois das festas de homenagem que decorreram em Maio de 1882 - é um libelo contra a democracia da altura. Camilo não conseguia aceitar que um regime que se reclamava de liberdade pudesse escolher como seu símbolo o maior déspota da nossa história.

Algumas passagens do Prefácio:

"O meu ódio, grande, entranhado, e único na minha vida, ao marquês de Pombal, não procede de afecto ao padre nem do desagravo da religião: é por amor ao homem...
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A Democracia decerto repele o meu livro da sua estante da história e não lhe dará sequer a importância do o ler. Quanto a refutá-lo, a Democracia não gosta de ilaquear as suas teorias abstractas nas redes da pequena história, feitas das malhas de argumentos cediços. Ela tem um ideal, um simbolismo a que chamou marquês de Pombal. Ora, eu escrevo de um homem a quem chamo déspota. Isso que aí passou na rua foi um Pombal de romance ... A realidade dos factos foi sacrificada a uma bandeira que lhe emprestaram...
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Bosquejei a biografia de um homem feroz, e não me esqueci de assinalar o maior número de acessórios e contingências que o fizeram tão cruel ...
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A Democracia arriscou a ruins incidentes o seu futuro, festejando o centenário do Conde de Oeiras, marquês de Pombal, alcaide-mor de Lamego, senhor donatário de Oeiras, Carvalho e Cercosa, mordomo-mor do paço, comendador das Três Minas e de Santa Maria da Mata de Lobos, etc. Aplaudindo incondicionalmente o titular e o déspota, desautorizou-se...
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Andou imprevidentemente a Democracia... Se os ultraliberais de 1882 estão com o marquês, quem nos afirma que as confederações republicanas e ateístas de 1982 não hão-de estar com os jesuítas? As situações parecem-me equivalentes nos paralelos do absurdo...
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Eu não pedirei para os talentoso caudilhos do centenário o que pedia Goethe para si no extremo da vida - luz, mais luz! A luz sobeja-lhes até ao deslumbramento. O que eles necessitam é mais larga compreensão da Justiça, que só se adquire com esforçado trabalho de anos, menos palavrório de clubes e mais canseira de estudo reflexivo..."

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