07 outubro 2007

despertar-me

A elegância com que o rui a. apresenta os seus argumentos, a fluidez da sua prosa, o profundo conhecimento que exibe na sua área de especialidade - para quem não saiba, o rui é doutorado em ciência política - e algumas características extraordinárias da sua personalidade que transparecem nos seus textos, produzem um efeito de tal modo conciliador no espírito do leitor, que não é raro eu chegar ao final dum texto dele e ser forçado a despertar-me a mim próprio: "Alto e pára o baile, isto é bonito de mais para ser verdade".

Aconteceu assim com o seu último post, onde ele defende a monarquia constitucional como o arranjo político que, provavelmente da forma mais eficaz, consegue exercer um efeito moderador entre os vários poderes da sociedade.

A questão que eu gostaria de deixar à reflexão do rui é a seguinte: onde está a evidência empírica para suportar essa tese? Começando pelos países católicos, que são aqueles que mais nos interessam, porque neles está incluído Portugal, eu não vejo evidência absolutamente nenhuma. Antes pelo contrário.

A monarquia constitucional (1822-1910) foi um dos piores períodos da nossa história, só excedido pela república constitucional de 1910-26. Foi um período de guerras civis, perseguições religiosas, ditaduras (isto é, suspensão das garantias constitucionais), revoltas populares, perda de colónias (Brasil), instabilidade governativa extraordinária, golpes de estado e até um regicídio - há quem diga que existiram dois - que acabou de vez com o poder moderador do rei - se é que ele tinha algum. No Brasil não foi diferente. E, em Espanha, foi provavelmente ainda pior, levando à mais sangrenta guerra civil de que há memória na história da Península Ibérica.

Nos países protestantes, talvez seja possível encontrar alguma confirmação para a tese do efeito moderador da monarquia constitucional, mas só alguma, pelo que passamos a entrar no domínio da evidência selectiva. Assim, por exemplo, a Inglaterra é uma monarquia, mas não possui uma constituição. O mesmo acontece com o Canadá, o qual permanece formalmente dependente da coroa britânica, e também não tem uma constituição - meramente uma charter of rights.

Eu não gostaria de inviabilizar a tese - onde, de facto vejo uma semente de verdade - sem sugerir um caminho para a corrigir. E a minha sugestão é a seguinte. Se o rui, na procura de um poder moderador eficaz, tivesse parado pela monarquia, a tese passaria a ser muito mais defensável do que quando lhe juntou o adjectivo constitucional. A constituição estragou tudo - seguramente, quando a tese se refere aos nossos países de tradição católica.

Sem comentários: