Nos países de tradição protestante as crianças são educadas desde cedo, na família e na escola, a tornarem-se independentes e auto-suficientes, e essa educação prossegue pela adolescência. Pelo contrário, nos países católicos as crianças são profundamente mimadas na família, essa atitude prossegue na adolescência, com o resultado final de que os jovens ficam até muito tarde, às vezes até à idade adulta, dependentes da família, e ocasionalmente dos amigos.
Provavelmente, uma das primeiras surpresas que tive na minha experiência de vida no Canadá, foi a de que lá o ano lectivo, nas escola secundária e na universidade, terminava em Abril e só recomeçava em Setembro. Quatro meses inteiros de férias!, foi a minha primeira reacção. Puro engano, em breve compreenderia. Os quatro meses destinavam-se a que os estudantes, a partir da adolescência, pudessem encontrar um emprego de verão (summer job) que os ajudasse a custear os estudos, e os iniciasse nessa difícil virtude cristã que é a de um homem ou mulher se sustentar a si próprio.
E embora tendo vivido oito anos nessa cultura, o afastamento que se lhe seguiu e que já dura há mais de vinte, levou-me de novo a um estado de choque quando, no ano passado, visitei antigos amigos em Ottawa. Foi durante um jantar com um casal amigo, pais de quatro filhos, ela com uma posição elevada na burocracia do governo federal, ele recentemente reformado de uma posição semelhante - uma família da classe média alta.
Durante o jantar, falaram de um dos filhos mais novos, com profundo desagrado. O rapaz, com 17 anos, tinha acabado o ensino secundário em Abril, e em Setembro entraria na universidade. Porém, passou-se a primeira semana de Maio e ele nem tinha ainda sequer procurado um summer job - algo que, segundo os pais, ele deveria ter começado a fazer em Janeiro.
Quando passou a segunda semana de Maio, os pais avisaram-no solenemente de que, ou ele arranjava um emprego de verão até ao final do mês, ou eles lhe cortariam a mesada. O final de Maio chegou, não havia summer job, e a promessa foi cumprida - também não houve mesada. Não passou mais de uma semana até que o rapaz encontrasse um emprego de verão.
Num país assim, em que os jovens se habituam a assumir responsabilidades muito cedo, não repugna - certamente, não repugna tanto - a instituição do sufrágio universal a partir dos 18 anos.
Porém, este é um episódio - e eu falo agora por experiência própria - totalmente inimaginável numa família da classe média portuguesa - menos ainda da classe média alta. O ano lectivo na escola e na universidade nem sequer está organizado para isso. Em Portugal, aquele rapaz não só não trabalharia naquelas férias, como não trabalharia em nenhumas outras férias dos anos que se iriam seguir, até acabar a universidade - talvez lá para os 25 anos.
Jovens que se habituaram a viver a vida inteira à custa alheia, não possuem maturidade para votar. E vão ficar marcados para sempre. Viveram até essa idade num estado de irresponsabilidade permanente, eles nem sequer sabem o que é sustentarem-se a si próprios, governarem a sua própria pessoa - quanto mais o que é governar um país. São eles, porém, que possuindo uma educação universitária e frequentemente política vão ser os mais vocais, na altura das eleições, a influenciar outros jovens, senão mesmo uma parte da população adulta.
E o que podem eles desejar, quando até aos 25 anos, e, às vezes, até aos 30, viveram uma vida inteira à custa dos outros - em geral, da sua própria família? Eles não podem desejar senão - porque é a isso que eles estão habituados - que apareça alguém que substitua a família, e lhes permita continuar a viver à custa dos outros. E vão certamente votar no primeiro partido político que lhes prometa que o Estado fará tudo isso para eles - na realidade, eles são, frequentemente, a grande massa das bases do partido.
No mundo ocidental, o Estado português foi aquele que mais cresceu nos últimos 33 anos, passando de 19.9% do PIB em 1973 para os actuais 48%. Imaginar que, nesta cultura, é possível diminuír o Estado é uma ilusão. Ele continuará a crescer até implodir.
Sem comentários:
Enviar um comentário