Eu tinha de agir rapidamente, mas não por instinto. Precisava de encontrar uma acção a tomar e uma base racional para essa acção. Decidi isolar-me uma tarde para meditar. Então eu, que em certos círculos tinha ficado conhecido por ser um liberal, que tinha feito a minha própria pregação contra os abusos do Estado, não era capaz agora de encontrar uma solução para eu próprio me libertar de um abuso do Estado?
Nessa tarde, percorri, no meu espírito, toda a literatura neoliberal - Hayek, Rothbard, Mises, Rand, Friedman, etc. - à procura de uma ideia que me ajudasse a agir, mas não encontrei nenhuma. Concluí que a ideia de liberdade deles era uma ideia meramente instrumental, uma abstracção, um meio para alegadamente chegar a uma sociedade melhor ou mesmo ideal. Eles não estavam preocupados com a minha liberdade ou a de qualquer outra pessoa em particular, eles estavam preocupados com a liberdade de toda a humanidade, que é a maneira mais certa de não estarem preocupados com a liberdade de ninguém.
Passei aos clássicos, primeiro os escoceses - Hume, Smith, Ferguson - e os resultados foram ainda mais frustrantes e, depois, aos católicos - como Tocqueville, Acton e Herculano - e, aqui, acendeu-se uma luz. Alguns deste homens tinham equacionado o problema da liberdade em termos da consciência. Eu podia perfeitamente recordar a definição de Alexandre Herculano: "A liberdade é a verdade da consciência, como Deus".
Talvez a solução ao meu problema - pensei - estivesse nos Evangelhos e, atalhando caminho, peguei no Catecismo da Igreja Católica. Passado algum tempo, eu tinha, de facto, encontrado a solução para o meu problema. Ela estava, não só, mas principalmente, no artigo 2242 do Catecismo, que está reproduzido em baixo em post.
A leitura que fiz desse artigo foi a seguinte. Quando um homem é abusado ou oprimido pelos poderes públicos, ele não tem apenas o direito de reagir, ele tem a obrigação de reagir. É preciso que ele esteja perfeitamente certo, em consciência, de que está a ser vítima de um abuso - e eu estava perfeitamente certo de que estava a ser vítima de um abuso. A reacção deve ser proporcional ao abuso, mas pode, em última instância, recorrer à violência. E se a reacção implicar a violação da lei, não faz mal porque um homem "(d)eve obedecer antes a Deus que aos homens".
Eu decidi que iria utilizar a violência, embora uma forma de violência proporcional ao abuso - a violência verbal. E passei essa noite a escrever um artigo sobre o assunto que iria fazer publicar num jornal onde habitualmente colaboro. Na manhã seguinte, enviei o artigo por e-mail ao director do departamento do Estado que cometia o abuso sobre mim, com a indicação: "Este artigo será publicado no jornal tal e tal na próxima sexta-feira".
O resultado foi imediato. Duas horas depois, um assessor do director do departamento estava a falar para o jornal a tentar dissuadir a publicação do artigo, enquanto outro assessor me telefonava para casa a dizer que o problema estava resolvido. O artigo nunca chegou a ser publicado.
Eu vou agora responder em tribunal pela tripla acusação dos crimes de injúria, calúnia e difamação cometidos sobre o Director Geral dos Impostos, Dr. Paulo Macedo.
Não faz mal. Foi, porém, a ideia de liberdade católica que me sugeriu a solução para o problema e me forneceu a fundamentação moral e intelectual para que a prosseguisse, a qual, passado mais de um ano, me faz ainda hoje sentir perfeitamente seguro da minha acção. Não foi a ideia de liberdade abstracta e instrumental que é considerada pelos modernos autores liberais - essa, eu não estou hoje certo que sirva para alguma coisa.
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