"A afirmação de que a menção das raizes cristãs da Europa (no preâmbulo da Constituição Europeia) fere os sentimentos de muitos não-cristãos que existem na Europa, é pouco convincente, visto que se trata, antes de mais, de um facto histórico que ninguém pode seriamente negar...Quem seriam os ofendidos? Que identidade seria ameaçada? Os muçulmanos, que a este respeito costumam ser frequentemente citados, não se sentem ameaçados pelos nossos fundamentos morais cristãos mas pelo cinismo de uma cultura secularizada, que também lhes nega os fundamentos religiosos.
(...)
Esta cultura iluminista é substancialmente definida pelos direitos de liberdade, parte da liberdade como valor fundamental e medida de todas as coisas, a liberdade de escolha religiosa, que inclui a neutralidade religiosa do Estado, a liberdade de exprimir a própria opinião, desde que não se meta em dúvida, precisamente, este cânone, a organização democrática do Estado (...)
(Nesta cultura) o conceito de discriminação é cada vez mais alargado e, assim, a proibição da discriminação pode transformar-se, cada vez mais, numa limitação da liberdade de opinião e da liberdade religiosa. Daqui a pouco, deixará de poder afirmar-se que a homossexualidade, como ensina a Igreja Católica, representa uma desordem objectiva na estruturação da existência humana. E o facto de a Igreja estar convencida de não ter o direito de decidir sobre a ordenação sacerdotal da mulher é considerado, por alguns, como inconciliável com o espírito da Constituição Europeia. É evidente que este cânone da cultura iluminista, que nada tem de definitivo, contém valores importantes que nós, precisamente por sermos cristãos, não queremos e não podemos rejeitar, mas também é evidente que a concepção mal definida - ou mesmo não definida - de liberdade, que está na base desta cultura, comporta inevitáveis contradições, e é evidente que, (...) comporta limitações da liberdade que há uma geração atrás não conseguiríamos sequer imaginar. Uma ideologia confusa de liberdade conduz a um dogmatismo que se revela cada vez mais hostil à liberdade.
(...)
Estas filosofias são caracterizadas pelo facto de serem positivistas e, por isso, contrárias à metafísica, não havendo espaço para Deus nos seus pressupostos. Baseiam-se numa autolimitação da razão positiva, que é adequada ao âmbito técnico, mas que, quando é generalizada, comporta, ao invés, uma mutilação do homem. Daqui resulta que o homem deixa de admitir qualquer instância moral exterior aos seus cálculos e, como já vimos, até o conceito de liberdade, que inicialmente parecia poder expandir-se de maneira ilimitada, conduz, por fim, à autodestruição da liberdade.
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Deste modo, a recusa a fazer referência a Deus (na Constituição Europeia) não é expressão de uma tolerância que quer proteger as religiões não-teístas e a dignidade dos ateus e dos agnósticos, mas a expressão de (um dogmatismo) que gostaria de apagar Deus da vida pública da humanidade e remetê-lo para o âmbito subjectivo das culturas residuais do passado"
Joseph Ratzinger, A Minha Vida - Autobiografia, Lisboa: Livros do Brasil, 2005, pp. 125-130)
2 comentários:
Um texto completamente absurdo. Se a União Europeia não é um regime confessional, qualquer alusão dessas não faria qualquer sentido.
Acho que fica definitivamente provado que já não são os liberais que defendem a liberdade mas os verdadeiros religiosos.
Penso que dentro de poucos anos não haverá mais que um punhado de homens que consigam compreender textos como este.
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