(Continuação daqui)
8. Justiça e liberdade
Falámos também de justiça. Para quem patrocina um projecto político liberal para o país como o Miguel Milhão a ideia de justiça é crucial. Não existe liberdade sem justiça. A liberdade exprime-se frequentemente na esfera económica mas conquista-se na justiça.
Os povos de cultura anglo-saxónica foram os criadores do liberalismo devido à elevada concepção de justiça que possuíam e que foi celebrada por Kipling (cf. aqui). O ideal de justiça entre os britânicos não se exprime pela palavra justice mas pela palavra fairness, cujos ingredientes principais são a imparcialidade e a proporcionalidade.
Existe uma antiga discussão entre católicos e protestantes quanto a saber se Cristo veio ao mundo para dizer a verdade ou para fazer justiça. Veio para as duas coisas porque sem verdade não é possível fazer justiça. A verdade, ela própria, é a justiça que se faz à realidade. Sem verdade não há justiça e sem justiça não há liberdade.
O Estado, possuindo o monopólio da coerção, é essencial para assegurar a justiça porque nenhum criminoso vai de livre vontade para a prisão. Mas é precisamente este monopólio da coerção que, se não for limitado pela justiça, torna o Estado o maior inimigo da liberdade. É célebre a frase de Santo Agostinho segundo a qual "Um Estado que não se reja pela justiça converte-se num grande bando de ladrões". Ora, nenhum cidadão é livre diante de um grande bando de ladrões possuindo um poder coercivo.
A frase, que se encontra no livro "A Cidade de Deus", foi proferida no contexto de uma conversa entre um chefe de piratas e um imperador. O pirata vê-se a si próprio como o chefe de um bando de ladrões e é, nesta qualidade, que ele se compara com o imperador que também é chefe, chefe de Estado. Ambos possuem o poder coercivo para confiscar a propriedade a qualquer pessoa, até tirar-lhe a vida. A única diferença é que no Estado chefiado pelo imperador existe justiça, os impostos são cobrados de acordo com a lei e o consentimento dos governados, o confisco dos bens de um cidadão só é tolerado em certas circunstâncias excepcionais prescritas na lei.
Quando a justiça desaparecer do Estado, o pirata e o imperador são iguais, ambos chefiam um bando de ladrões diante do qual não existe liberdade para ninguém. Excepto, naturalmente, para os próprios ladrões, que é aquilo em que se terão convertido os governantes, com o imperador à frente.
(Continua acolá)

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