(Continuação daqui)
19. Medo
José Sócrates criticou esta semana a cobertura jornalística da Operação Marquês e os jornalistas reagiram gabando-se de lhe terem desligado os microfones (cf. aqui).
Muito bem. Os jornalistas gostam da liberdade de expressão mas é só para eles.
Sócrates tem razão. Desde o início da Operação Marquês, o Ministério Público e o juiz Carlos Alexandre trataram-no como se ele fosse um animal, prendendo-o muito antes de qualquer julgamento, devassando-lhe a vida, violando o segredo de justiça, tudo com o objectivo de o humilhar publicamente.
Em nenhum momento, os jornalistas questionaram a veracidade das alegações da acusação. Pelo contrário, tomaram-nas como verdades sagradas e ampliaram-nas junto da opinião pública.
Os jornalistas estão sempre prontos a escrutinar a vida de qualquer político eleito democraticamente, ao ponto da devassa, como fizeram com Sócrates e mais recentemente com Luís Montenegro no caso Spinumviva. Pelo contrário, nunca criticam um juiz ou um magistrado do Ministério Público - que nem sequer possuem legitimidade democrática - quando eles se comportam de forma incompetente ou mesmo criminosa.
As críticas de Sócrates aos jornalistas sobre os temas da justiça são as mesmas que eu próprio tenho exprimido neste blogue (cf. aqui e aqui), uma das quais termina assim: "(...) enquanto tivermos o jornalismo que temos, a incompetência, a arbitrariedade, a incúria, a irresponsabilidade, o desleixo e o crime vão continuar a reinar livres no sistema de justiça em Portugal".
É uma questão de cultura, de uma cultura anti-liberal ou autoritária, uma cultura de cobardia democrática. A característica primeira de uma sociedade livre é uma saudável desconfiança em relação a tudo aquilo que vem do poder, ainda por cima de um poder não-eleito, como é o do Ministério Público.
Em público, os portugueses estão sempre do lado mais forte, o lado do poder, e os jornalistas não são excepção.
-Porquê?
-Porque têm medo.
(Continua acolá)

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