18 maio 2025

CUATRECASAS - Uma Máfia Legal (50)

 (Continuação daqui

Amílcar Marcolino depois de ter sido agredido pelos irmãos Francisco e Manuel após uma sessão que os opôs no Tribunal de Bragança

Foto: Correio da Manhã


50. O juiz Marcolino entra em cena

Os recursos deram entrada no Tribunal da Relação do Porto no Verão de 2018. Eu recorri da condenação de primeira instância por ofensas à Cuatrecasas. O Paulo Rangel recorreu da minha absolvição por difamação agravada. A Cuatrecasas, feliz, com a minha condenação, não recorreu. Nem o Ministério Público, provando mais uma vez que sempre que a Cuatrecasas estava feliz o Ministério Público também estava. Eram o casal perfeito.

Por essa altura, a obra do Joãozinho estava parada há dois anos e meio, mas não por causa do Protocolo que dera origem ao processo judicial. A primeira paragem da obra em Abril de 2015 eu consegui resolver com o meu comentário televisivo. Em vista do escândalo que o comentário provocou na opinião pública, passadas duas semanas a Associação Joãozinho já estava negociar com a administração do HSJ uma versão aceitável do Protocolo.  A obra seria retomada a 2 de Novembro desse ano com os trabalhos de demolição das velhas instalações existentes no local.

Aconteceu é que a 27 desse mesmo mês tomou posse o governo da geringonça, liderado pelo PS, que imediatamente boicotou os trabalhos não desocupando a velha instalação onde funcionava o Serviço de Sangue, que era para ser demolida também. Em Janeiro de 2016, os trabalhos pararam por falta de frente de obra. 

Eu tinha agora pela frente uma barreira de adversários que se viria a revelar intransponível. Para além do PSD e dos jagunços da Cuatrecasas ao seu serviço, tinha também a oposição do governo da geringonça liderado pelo PS. 

O boicote à obra na primavera de 2015 comandado pela Cuatrecasas, tendo à frente o Paulo Rangel, tinha tanto de económico (entregar a obra a uma empresa amiga do PSD, como veio a acontecer), como de político (o Paulo Rangel, representando a facção mais socialista do PSD, tinha perdido as eleições internas para a facção mais liberal de Passos Coelho, cujo governo autorizara a obra, louvando a iniciativa da sociedade civil, ao ponto de o próprio primeiro-ministro ter estado presente na cerimónia de lançamento da primeira pedra, que coincidiu com o início dos trabalhos).

Mas quando o Governo da geringonça tomou posse no final de Novembro desse ano - tinha a obra sido retomada há três semanas -, “juntou-se a fome com a vontade de comer” porque a adversidade,  agora de natureza sobretudo ideológica, passou a ser feroz, e eu - às vezes considerado o pai do neoliberalismo em Portugal -, enquanto presidente da Associação Joãozinho, passei a ser alvo de um campanha de calúnias atroz, com a Cuatrecasas em plano de destaque.

Um dos golpes mais miseráveis aconteceu com um artigo de página inteira do Público, em 22 de Outubro de 2016, da autoria da jornalista Margarida Gomes, com chamada de primeira página, que titulava “Joãozinho tenta fazer negócio com terrenos do Estado” (cf. aqui)em que eu era apresentado, literalmente, como um traficante de terrenos públicos. 

Antes de sumariar o artigo, convém descrever a realidade. O Hospital de S. João tinha cedido pelo Protocolo que viria a estar na origem deste processo,  uma parcela de terreno para que a Associação Joãozinho aí construísse a nova ala pediátrica através de um contrato firmado com o  consórcio de construtoras Lúcios-Somague.

Meses depois, foi negociado entre a administração do HSJ, a administração do Continente e  a direcção da Associação Joãozinho a cedência de uma outra parcela de terreno que permitiria ao Continente aí instalar um pequeno supermercado no formato “Continente Bom Dia” em troca de um pagamento anual destinado a contribuir para a obra da ala pediátrica. Esta negociação - que envolveu a administração do HSJ e era semelhante a outras já existentes envolvendo terrenos do HSJ e instituições mecenáticas, como a Fundação Ronald MacDonald -, levaria o Continente a pagar cerca de metade do valor da obra (o contrato descontado na banca renderia cerca de 11 milhões de euros).

Esta era a realidade. E o que sugere o artigo do Público? Sugere que eu peguei na  parcela de terreno que me foi cedida pelo HSJ para construir a ala pediátrica e fui negociá-la com o Continente para aí instalar um supermercado! 

Se aquilo que o artigo dizia fosse verdade, eu ficava com um grande dilema por resolver,  que era o de decidir como colocar um hospital pediátrico e um supermercado na mesma parcela de terreno, se o hospital por cima do supermercado ou o supermercado por cima do hospital. Eu talvez preferisse o hospital por cima do supermercado (a miudagem gosta de vistas altas).

O artigo citava anonimamente “um especialista em contratos públicos e Professor de Direito Administrativo” (na realidade, um mero Assistente). Tratava-se do advogado Vasco Moura Ramos da Cuatrecasas, um dos advogados que  havia subscrito a queixa-crime contra mim meses antes. E quanto à sociedade de advogados que é mencionada no artigo, nem vale a pena dizer como se chama.

Era este o ambiente no Verão de 2018 quando o processo judicial entrou no Tribunal da Relação do Porto. A obra parada há mais de dois anos, boicotada pelo governo do PS, e uma enorme campanha de desinformação e calúnias contras a Associação Joãozinho e contra mim próprio que, entretanto tinha sido condenado no Tribunal de Matosinhos por ofensas à Cuatrecasas com a devida publicidade mediática.

Foi o momento para o juiz Francisco Marcolino entrar em cena.

Sensivelmente pela mesma altura, num acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Junho, de que foi relator o juiz conselheiro Souto de Moura, Amílcar Marcolino, o irmão mais novo do juiz, era citado a referir-se assim ao irmão Francisco, em verdadeiro português brigantino:

-"Sois uns gatunos, uns ladrões, uns selvagens", "não tens categoria para exercer as funções que exerces"

Ano e meio depois, num acórdão da Relação de Lisboa, de 29 de Dezembro de 2019, de que foi relator o juiz desembargador Jorge Leal, Amílcar dizia assim do irmão Francisco (ênfases meus):

"139) Que a testemunha AM [Amílcar Marcolino] (...), por seu turno, refere, a propósito do participante [juiz Marcolino], que "Tive conhecimento, em Março de 1999, através do senhor CL (...), vendedor da Mercedes, que ambos, pertenciam à loja maçónica Luz do Norte, encruzilhada Mirandela - Vila Real. Afirma ainda que numa das conversas havidas com ele disse-me que para ter sucesso era necessário pertencer á Maçonaria e colar-se ao partido que estiver no governo" - (por referência ao artigo 392º da contestação)".

Nesse mesmo ano, num acórdão de 25 de Março do Supremo Tribunal de Justiça,de que foi relatora a juíza conselheira Catarina Serra, o traficante Jaime Luciano Rodrigues, aquele mesmo que denunciara o juiz Marcolino ao FBI e que fora entretanto preso, é citado,  dizer o seguinte acerca do juiz: (ênfases meus):

 "5. Inquirição de QQ [Jaime Luciano Rodrigues], na qualidade de testemunha, a fls. 46 e 47 - atualmente preso no EP... - que confirma, na sua globalidade, o relato descrito pela testemunha BBB, acrescentando ter-lhe ainda dito que OO "CCC" dissera à polícia... e tinha ficado escrito no processo que o Dr. AAA [juiz Marcolino] era um grande traficante de droga e que estava metido em tudo o que desse dinheiro e que era dos maiores traficantes da Europa ou ligado às maiores redes, o que poderia afirmar em qualquer parte do mundo (...)" 

No mesmo acórdão do Supremo, outras testemunhas são citadas a pronunciar-se sobre o juiz Marcolino e o resultado é o seguinte (ênfases meus):

"140) Que no que concerne à personalidade do participante [juiz Marcolino] a testemunha TTT afirma que "(...) não o queria como juiz em casos que me dissessem respeito", disse que o considera uma pessoa vingativa e "uma pessoa afeta ao conflito" - (por referência ao artigo 401º da contestação);

"141) Que a testemunha RR afirma: "Quem o conhece como eu conheço e a cidade conhece bem, não tem qualquer dúvida de que a vontade dele tem de prevalecer, doa a quem doer e a qualquer preço. Ai daquele que tenha que julgar e não satisfaça os seus desejos. A sua personalidade manifesta-se pela conquista, não olhando a meios para atingir os seus objectivos" - (por referência ao artigo 402º da contestação);

142) Que a testemunha PPPP diz que "logo que seja contrariado essa pessoa passa a ser inimigo dele, que foi o que aconteceu comigo, que "é muito explosivo e que por vezes não olha a meios para ofender as pessoas", que "É um homem que não sabe perdoar", que "É capaz de mentir para perseguir um inimigo figadal. Que já aconteceu comigo" - (por referência ao artigo 403ª da contestação); 

143) Que a testemunha SS descreve o participante como "Rancoroso, conflituoso, vingativo e prepotente" e que "O carácter dele leva-me a ter a certeza que tudo fará, inclusivé mentir e levar (...) as testemunhas a mentir, como fez no meu processo, tendo, na reunião havida em... afirmado em tom ameaçador de que tudo fará para me meter na cadeia" - (por referência ao artigo 404º da contestação)"

Estas não eram propriamente as melhores referências para um juiz que cerca de três anos depois seria promovido a juiz do Supremo Tribunal de Justiça com a categoria de juiz-conselheiro, a mais alta categoria da carreira judicial do país

Como explicar tudo isto?

Talvez a melhor explicação se encontre no conselho que o próprio juiz deu ao irmão mais novo quando ainda tinha boas relações com ele - a proximidade à Maçonaria (no seu caso, a loja maçónica Luz do Norte, às vezes referida como "a máfia portuguesa") e ao partido do poder que, no seu caso, era o PS. O juiz viria mesmo a ser candidato pelo PS à Câmara de Bragança em 2005 perdendo estrondosamente com apenas 27% dos votos para o candidato do PSD, significando que os caciques em Portugal tinham os dias contados, mesmo em Bragança.

Mesmo em Bragança, Mas não no Tribunal da Relação do Porto.

(Continua acolá)

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