19 maio 2025

CUATRECASAS - Uma Máfia Legal (51)

 (Continuação daqui)

Armando Vara dá entrada na prisão de Évora (Janeiro de 2019)


51. Um progressista do PS

Muitos obstáculos se punham na vida do juiz Marcolino, que ele tirava do caminho à pistolada, à pancada ou com processos judiciais. Um dos mais antigos era o próprio irmão Amílcar, a quem ele ameaçou "estourar os miolos" com a sua Beretta de 6,35 mm, tudo porque Amílcar se opôs a que o juiz registasse o seu avião na empresa do pai. O juiz explicou que era para ir abastecer o avião a Espanha onde a gasolina era mais barata. A verdade, porém, é que naquela altura entrava de Espanha em Portugal pela fronteira de Bragança muita coisa, e não era só gasolina.

Outro obstáculo, ainda ligado com o avião, foi o presidente da Câmara, Jorge Nunes, que havia ganho as eleições ao juiz e que agora não lhe permitia estacionar o avião no aeródromo da cidade porque não havia lugar. Foi acusado pelo juiz dos crimes de abuso de poder e desobediência, que o poderiam ter levado à prisão e à perda do mandato - que seria, talvez, a pena mais ambicionada pelo juiz -, tudo isto, é claro, acompanhado de um pedido de indemnização cível. Felizmente, em 2013, o juiz Marcolino já não era Inspector no Tribunal em Bragança e Jorge Nunes foi absolvido.

A juíza Paula Carvalho e Sá com quem ele mantinha uma batalha judicial que durou mais de dez anos foi um obstáculo na caminhada do juiz para o Supremo, para não falar na madrasta. Rita Monteiro era dez anos mais nova que o juiz e quarenta anos mais nova que o pai do juiz. Tornou-se madrasta do juiz poucos meses antes de o pai morrer, impedindo o juiz e os irmãos de deitarem a mão por inteiro à herança do pai, avaliada em mais de dois milhões de euros.  Em Setembro de 2019, o jornal "O Mirante" sob o título "Julgamento da empregada que casou com o patrão dois meses antes de ele morrer foi adiado", reportava assim (ênfase meu):

"O caso senta no banco dos réus do Tribunal de Bragança a empregada, dois psiquiatras, uma psicóloga e uma funcionária do Registo Civil, acusados dos crimes de sequestro, uso de documento falso [ambos no caso da empregada], emissão de atestados médicos falsos [no caso dos dois médicos psiquiatras e da psicóloga] e desobediência qualificada [no caso da funcionária do registo civil]

De uma assentada o juiz Marcolino punha em tribunal todos aqueles que viabilizaram o casamento do pai com a empregada doméstica, incluindo a própria noiva. Mais adiante vinha o respectivo pedido de indemnização cível, que o juiz não brincava em serviço quando metia dinheiro: 

"Os três filhos [juiz Marcolino, irmão Manuel e a irmã] pedem aos arguidos, neste processo, uma indemnização de 50 mil euros"

De fora, tinha ficado o irmão Amílcar, a ovelha ranhosa da família.

Este processo contra a madrasta já tinha dado lugar a episódios rocambolescos, como aquele que era relatado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Setembro de 2019 de que foi relator o juiz-conselheiro Maia Costa (ênfases meus):

"21° E, aí mesmo, o co-arguido BB [juiz Marcolino] a abordou [à amiga da madrasta] como, de resto, reconheceu no telefonema acima referido, impedindo-a que entrasse no interior da sua garagem, como era sua intenção, imputando-lhe falsamente a posse de milhões de euros, em notas de elevado valor, na mala e saco que transportava, ao mesmo tempo que lhe dizia, encostando-lhe uma pequena arma de fogo ao peito, de que era portador: "ou dás-me o dinheiro ou estouro-te os miolos, eu fodo-te", obrigando-a a abrir a sua carteira a pretexto de que aí trazia os alegados milhões - Cfr. Auto de denúncia e declarações da ofendida".

Porém, nenhum dos muitos obstáculos que se punham na frente do juiz Marcolino foi tão obstinadamente duro de vencer como a jurisprudência do TEDH, que o impedia de se tornar milionário com a honra. Tal como o seu mentor, o ex-presidente do Supremo, Noronha do Nascimento, o juiz Marcolino abominava a jurisprudência do TEDH. Pela honra, o juiz já tinha pedido nos tribunais preços tão variados como 25 mil euros, 50 mil, 150 mil, meio milhão, setecentos mil, e  até um milhão de euros (por duas vezes). Imagine-se só a fortuna que o juiz Marcolino, um progressista do PS, teria acumulado, se em Portugal ainda vigorasse a jurisprudência do tempo do fascismo que dava prevalência ao direito à honra sobre o direito à liberdade de expressão.

O Tribunal da Relação do Porto tem duas secções criminais. Pois foi o cúmulo dos azares que o meu processo, em que eu era inocente à luz da jurisprudência do TEDH [como veio a acontecer], foi precisamente parar à primeira secção criminal do TRP, presidida pelo juiz Marcolino, que lhe tinha um ódio de morte - na realidade, se a jurisprudência do TEDH fosse uma pessoa, como o irmão Amílcar ou a amiga da madrasta, certamente que ele já lhe tinha "estourado os miolos" com a pistola que trazia no coldre à cintura. 

A partir de agora a minha condenação estava à vista.

O juiz Marcolino sabia como os juízes da sua secção decidiam este tipo de casos envolvendo o conflito entre o direito à honra e o direito á liberdade de expressão e, para dar uma ideia de imparcialidade, distribuiu o processo dentro da primeira secção aos juízes Paula Guerreiro e Pedro Vaz Patto, e até nomeou a juíza Paula Guerreiro como relatora, sabendo de antemão que eles não se iriam entender, e que ele, na qualidade de presidente da secção, seria chamado desempatar. 

A juíza Paula Guerreiro era conhecida por seguir a jurisprudência do TEDH  e até tinha assinado um acórdão paradigmático com o seu colega Joaquim Gomes, onde acabava a citar Jorge de Sena: "Quem te amar, ó liberdade, tem de amar com paciência". Pelo contrário, o juiz Vaz Patto era um católico empedernido para quem o direito à honra tem uma supremacia decisiva sobre o direito à liberdade de expressão, ou não fosse a Inquisição um produto distintamente católico. Enquanto a juíza Paula Guerreiro cantava a liberdade, o juiz Vaz Patto perguntava retoricamente num artigo com o título "Só a liberdade é sagrada?". Para a teologia católica a liberdade é o caminho certo para o pecado. 

Como esperado, os dois juízes desentenderam-se e o juiz Marcolino foi chamado a desempatar. A juíza Paula Guerreiro cedeu então o seu lugar de relatora ao juiz Vaz Patto que redigiu a sentença. Fui condenado por dois votos contra um,  tendo a juíza Paula Guerreiro juntado uma afirmativa declaração de voto contra a condenação, que viria a ser citada na sentença do TEDH que me absolveu anos depois por uma decisão unânime de sete juízes. O juiz decisivo na minha condenação tinha sido o juiz Marcolino, que promoveu a marosca, fazendo o juiz Vaz Patto a figura do idiota útil.

Por este e outros favores, o governo do PS - que nessa altura obstruía o avanço da obra do Joãozinho há mais de dois anos - acabaria por retribuir o juiz Marcolino através daquela mais que merecida promoção ao Supremo. Agora, não havia dúvida nenhuma que o presidente da Associação Joãozinho era um criminoso consumado. O Tribunal da Relação do Porto não só confirmou a condenação de primeira instância de ofensas à Cuatrecasas, como também o condenou por difamação agravada ao Paulo Rangel, de que ele tinha sido absolvido em primeira instância.

Fazer batota na distribuição dos processos é a violação de um antigo princípio de justiça conhecido por "princípio do juiz natural" que visa assegurar a imparcialidade da justiça, o mais importante atributo da justiça democrática. Mas, não "olhando a meios para atingir os fins", segundo os seus críticos, o  juiz Marcolino queria lá saber de princípios. Os únicos princípios que lhe interessavam, porque eram aqueles que o gratificavam, eram os princípios que ele confessara ao irmão anos antes - a colagem à maçonaria e ao PS. Além disso, havia que retribuir favores aos "mais conhecidos escritórios de advogados".

Ficou célebre uma outra palhaçada do mesmo género engendrada pelo juiz Marcolino e que só falhou por um triz porque o caso veio a público e a marosca se tornou demasiado ostensiva. Curiosamente, mais uma vez, o juiz Marcolino usava a juíza Paula Guerreiro para dar credibilidade à sua trapaça.

Armando Vara foi o primeiro político português a ser condenado por tráfico de influências. Ele agenciava contratos para amigos do PS, usando a sua influência política, e pelos quais cobrava comissões.

O crime de tráfico de influências está previsto no artº 335º do Código Penal (cf. aqui) e ocorre quando alguém usa a sua influência junto de uma entidade pública (v.g., empresa pública, tribunal, câmara municipal) para dar a alguém  ou receber de alguém um benefício patrimonial ou não patrimonial. A tentativa é igualmente punível.

Armando Vara foi condenado em primeira instância pelo Tribunal de Aveiro a cinco anos de prisão efectiva. O recurso foi para o Tribunal da Relação do Porto. Armando Vara é natural de Lagarelhos (Vinhais, Bragança), aldeia onde o juiz Marcolino tem pelo menos mais um amigo distinto - o sócio, amigo e traficante Duarte Lagarelhos -, que acabou igualmente na prisão, não por tráfico de influências, mas por tráfico de droga (cf. aqui).

Segundo a sequência elaborada pela revista Sábado (cf. aqui), o processo demorou nove meses a chegar ao TRP, devido à grande distância entre Aveiro e o Porto e às dificuldades de transportes que se faziam sentir na altura. E, por sorte - porque a distribuição dos processos era aleatória no TRP, para respeitar o princípio do juiz natural -, o processo foi parar à primeira secção do TRP, a tal que era presidida na altura pelo juiz Marcolino, que era amigo de infância de Armando Vara. Que sorte!

Normalmente, um processo que dá entrada na Relação é distribuído a dois juízes, um que serve de relator e outro de adjunto. No caso de haver consenso entre os dois, essa é a decisão final. Não havendo consenso, é o juiz presidente da secção [no caso, o juiz Marcolino] que desempata. 

Ora, dentro da primeira secção, o processo foi distribuído à juíza Paula Guerreira e ao juiz José Carreto que, por coincidência, era vizinho de Armando Vara em Vinhais, Bragança, outro amigo de infância. Mais sorte, Armando vara não podia ter, o processo estava nas mãos de dois juízes amigos.

Quer dizer, o juiz Marcolino tinha preparado um esquema semelhante ao do meu processo para safar Armando Vara, onde o juiz José Carreto desempenhava o papel do juiz Vaz Patto. Porém, a atenção mediática que o processo mereceu não permitiu que o esquema fosse mais além.  Era demasiado óbvio e ostensivo o tráfico de influências por parte do juiz Marcolino. Ficou a tentativa. O juiz José Carreto primeiro, e o juiz Francisco Marcolino depois, foram obrigados a pedir escusa ao Supremo que, naturalmente, afastou ambos do processo.

Num acórdão de que foi relatora a juíza Paula Guerreiro, o TRP confirmou a pena de cinco anos de prisão efectiva para Armando Vara. Este recorreu, então, para o Tribunal Constitucional. Só que passou o tempo e o Tribunal Constitucional nunca mais se pronunciava. Os jornalistas foram em busca de saber o que é que se estava a passar. Contactaram o TC e receberam como resposta que este tribunal não se pronunciava porque o processo nunca lá tinha chegado.

O caso começou a ganhar foros de escândalo público. Os jornais noticiavam:

-A insustentável leveza do Vara: cf. aqui 

-Há um ano que Armando Vara consegue adiar prisão: cf. aqui

-Processo que envolve Armando Vara continua a marcar passo: cf. aqui

E foi somente depois desta pressão pública que o processo foi remetido pelo Tribunal da Relação do Porto ao Tribunal Constitucional que,  obviamente, considerou o recurso improcedente.

O processo voltou ao TRP para ser remetido ao Tribunal de Aveiro, a fim de ser emitido o respectivo mandato de detenção. Porém, com a lentidão possível, e só depois, uma vez mais,  de considerável pressão mediática, é  que o processo saiu da primeira secção criminal do TRP para o Tribunal de Aveiro e, ainda assim,  amputado de elementos cruciais para a emissão do mandato de detenção.

No fim, entre o momento em que o processo entrou pela primeira vez no Tribunal de Relação do Porto e o momento em que, sob pressão mediática e do Ministério Público, os últimos elementos do processo saíram da primeira secção criminal do TRP e chegaram ao Tribunal de Aveiro, decorreram três anos e meio.

O juiz Marcolino comportou-se como um verdadeiro amigo, um leal conterrâneo e correlegionário de Armando Vara e do PS. Fez tudo o que podia, usando a sua influência de presidente da primeira secção criminal do TRP, para o safar. Não conseguindo, fez tudo o que podia, usando e abusando dessa mesma influência, para diferir tanto quanto podia a entrada de Armando Vara na prisão, e aqui conseguiu alguma coisa de substancial. 

Diz o povo que "Quem dá o que pode a mais não é obrigado", e o juiz Marcolino deu tudo o que podia. A tal ponto que deveria ter feito companhia a Armando Vara na prisão pelo crime de tráfico de influências.

(Continua acolá)

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