(Continuação daqui)
51. Um progressista do PS
Muitos obstáculos se punham na vida do juiz Marcolino, que ele tirava do caminho à pistolada, à pancada ou com processos judiciais. Um dos mais antigos era o próprio irmão Amílcar, a quem ele ameaçou "estourar os miolos" com a sua Beretta de 6,35 mm, tudo porque Amílcar se opôs a que o juiz registasse o seu avião na empresa do pai. O juiz explicou que era para ir abastecer o avião a Espanha onde a gasolina era mais barata. A verdade, porém, é que naquela altura entrava de Espanha em Portugal pela fronteira de Bragança muita coisa, e não era só gasolina.
Outro obstáculo, ainda ligado com o avião, foi o presidente da Câmara, Jorge Nunes, que havia ganho as eleições ao juiz e que agora não lhe permitia estacionar o avião no aeródromo da cidade porque não havia lugar. Foi acusado pelo juiz dos crimes de abuso de poder e desobediência, que o poderiam ter levado à prisão e à perda do mandato - que seria, talvez, a pena mais ambicionada pelo juiz -, tudo isto, é claro, acompanhado de um pedido de indemnização cível. Felizmente, em 2013, o juiz Marcolino já não era Inspector no Tribunal em Bragança e Jorge Nunes foi absolvido.
A juíza Paula Carvalho e Sá com quem ele mantinha uma batalha judicial que durou mais de dez anos foi um obstáculo na caminhada do juiz para o Supremo, para não falar na madrasta. Rita Monteiro era dez anos mais nova que o juiz e quarenta anos mais nova que o pai do juiz. Tornou-se madrasta do juiz poucos meses antes de o pai morrer, impedindo o juiz e os irmãos de deitarem a mão por inteiro à herança do pai, avaliada em mais de dois milhões de euros. Em Setembro de 2019, o jornal "O Mirante" sob o título "Julgamento da empregada que casou com o patrão dois meses antes de ele morrer foi adiado", reportava assim (ênfase meu):
"O caso senta no banco dos réus do Tribunal de Bragança a empregada, dois psiquiatras, uma psicóloga e uma funcionária do Registo Civil, acusados dos crimes de sequestro, uso de documento falso [ambos no caso da empregada], emissão de atestados médicos falsos [no caso dos dois médicos psiquiatras e da psicóloga] e desobediência qualificada [no caso da funcionária do registo civil].
De uma assentada o juiz Marcolino punha em tribunal todos aqueles que viabilizaram o casamento do pai com a empregada doméstica, incluindo a própria noiva. Mais adiante vinha o respectivo pedido de indemnização cível, que o juiz não brincava em serviço quando metia dinheiro:
"Os três filhos [juiz Marcolino, irmão Manuel e a irmã] pedem aos arguidos, neste processo, uma indemnização de 50 mil euros"
De fora, tinha ficado o irmão Amílcar, a ovelha ranhosa da família.
Este processo contra a madrasta já tinha dado lugar a episódios rocambolescos, como aquele que era relatado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Setembro de 2019 de que foi relator o juiz-conselheiro Maia Costa (ênfases meus):
"21° E, aí mesmo, o co-arguido BB [juiz Marcolino] a abordou [à amiga da madrasta] como, de resto, reconheceu no telefonema acima referido, impedindo-a que entrasse no interior da sua garagem, como era sua intenção, imputando-lhe falsamente a posse de milhões de euros, em notas de elevado valor, na mala e saco que transportava, ao mesmo tempo que lhe dizia, encostando-lhe uma pequena arma de fogo ao peito, de que era portador: "ou dás-me o dinheiro ou estouro-te os miolos, eu fodo-te", obrigando-a a abrir a sua carteira a pretexto de que aí trazia os alegados milhões - Cfr. Auto de denúncia e declarações da ofendida".
Porém, nenhum dos muitos obstáculos que se punham na frente do juiz Marcolino foi tão obstinadamente duro de vencer como a jurisprudência do TEDH, que o impedia de se tornar milionário com a honra. Tal como o seu mentor, o ex-presidente do Supremo, Noronha do Nascimento, o juiz Marcolino abominava a jurisprudência do TEDH. Pela honra, o juiz já tinha pedido nos tribunais preços tão variados como 25 mil euros, 50 mil, 150 mil, meio milhão, setecentos mil, e até um milhão de euros (por duas vezes). Imagine-se só a fortuna que o juiz Marcolino, um progressista do PS, teria acumulado, se em Portugal ainda vigorasse a jurisprudência do tempo do fascismo que dava prevalência ao direito à honra sobre o direito à liberdade de expressão.
O Tribunal da Relação do Porto tem duas secções criminais. Pois foi o cúmulo dos azares que o meu processo, em que eu era inocente à luz da jurisprudência do TEDH [como veio a acontecer], foi precisamente parar à primeira secção criminal do TRP, presidida pelo juiz Marcolino, que lhe tinha um ódio de morte - na realidade, se a jurisprudência do TEDH fosse uma pessoa, como o irmão Amílcar ou a amiga da madrasta, certamente que ele já lhe tinha "estourado os miolos" com a pistola que trazia no coldre à cintura.
A partir de agora a minha condenação estava à vista.
O juiz Marcolino sabia como os juízes da sua secção decidiam este tipo de casos envolvendo o conflito entre o direito à honra e o direito á liberdade de expressão e, para dar uma ideia de imparcialidade, distribuiu o processo dentro da primeira secção aos juízes Paula Guerreiro e Pedro Vaz Patto, e até nomeou a juíza Paula Guerreiro como relatora, sabendo de antemão que eles não se iriam entender, e que ele, na qualidade de presidente da secção, seria chamado desempatar.
A juíza Paula Guerreiro era conhecida por seguir a jurisprudência do TEDH e até tinha assinado um acórdão paradigmático com o seu colega Joaquim Gomes, onde acabava a citar Jorge de Sena: "Quem te amar, ó liberdade, tem de amar com paciência". Pelo contrário, o juiz Vaz Patto era um católico empedernido para quem o direito à honra tem uma supremacia decisiva sobre o direito à liberdade de expressão, ou não fosse a Inquisição um produto distintamente católico. Enquanto a juíza Paula Guerreiro cantava a liberdade, o juiz Vaz Patto perguntava retoricamente num artigo com o título "Só a liberdade é sagrada?". Para a teologia católica a liberdade é o caminho certo para o pecado.
Como esperado, os dois juízes desentenderam-se e o juiz Marcolino foi chamado a desempatar. A juíza Paula Guerreiro cedeu então o seu lugar de relatora ao juiz Vaz Patto que redigiu a sentença. Fui condenado por dois votos contra um, tendo a juíza Paula Guerreiro juntado uma afirmativa declaração de voto contra a condenação, que viria a ser citada na sentença do TEDH que me absolveu anos depois por uma decisão unânime de sete juízes. O juiz decisivo na minha condenação tinha sido o juiz Marcolino, que promoveu a marosca, fazendo o juiz Vaz Patto a figura do idiota útil.
Por este e outros favores, o governo do PS - que nessa altura obstruía o avanço da obra do Joãozinho há mais de dois anos - acabaria por retribuir o juiz Marcolino através daquela mais que merecida promoção ao Supremo. Agora, não havia dúvida nenhuma que o presidente da Associação Joãozinho era um criminoso consumado. O Tribunal da Relação do Porto não só confirmou a condenação de primeira instância de ofensas à Cuatrecasas, como também o condenou por difamação agravada ao Paulo Rangel, de que ele tinha sido absolvido em primeira instância.
Fazer batota na distribuição dos processos é a violação de um antigo princípio de justiça conhecido por "princípio do juiz natural" que visa assegurar a imparcialidade da justiça, o mais importante atributo da justiça democrática. Mas, não "olhando a meios para atingir os fins", segundo os seus críticos, o juiz Marcolino queria lá saber de princípios. Os únicos princípios que lhe interessavam, porque eram aqueles que o gratificavam, eram os princípios que ele confessara ao irmão anos antes - a colagem à maçonaria e ao PS. Além disso, havia que retribuir favores aos "mais conhecidos escritórios de advogados".
Ficou célebre uma outra palhaçada do mesmo género engendrada pelo juiz Marcolino e que só falhou por um triz porque o caso veio a público e a marosca se tornou demasiado ostensiva. Curiosamente, mais uma vez, o juiz Marcolino usava a juíza Paula Guerreiro para dar credibilidade à sua trapaça.
Armando Vara foi o primeiro político português a ser condenado por tráfico de influências. Ele agenciava contratos para amigos do PS, usando a sua influência política, e pelos quais cobrava comissões.
O crime de tráfico de influências está previsto no artº 335º do Código Penal (cf. aqui) e ocorre quando alguém usa a sua influência junto de uma entidade pública (v.g., empresa pública, tribunal, câmara municipal) para dar a alguém ou receber de alguém um benefício patrimonial ou não patrimonial. A tentativa é igualmente punível.
Armando Vara foi condenado em primeira instância pelo Tribunal de Aveiro a cinco anos de prisão efectiva. O recurso foi para o Tribunal da Relação do Porto. Armando Vara é natural de Lagarelhos (Vinhais, Bragança), aldeia onde o juiz Marcolino tem pelo menos mais um amigo distinto - o sócio, amigo e traficante Duarte Lagarelhos -, que acabou igualmente na prisão, não por tráfico de influências, mas por tráfico de droga (cf. aqui).
Segundo a sequência elaborada pela revista Sábado (cf. aqui), o processo demorou nove meses a chegar ao TRP, devido à grande distância entre Aveiro e o Porto e às dificuldades de transportes que se faziam sentir na altura. E, por sorte - porque a distribuição dos processos era aleatória no TRP, para respeitar o princípio do juiz natural -, o processo foi parar à primeira secção do TRP, a tal que era presidida na altura pelo juiz Marcolino, que era amigo de infância de Armando Vara. Que sorte!
Normalmente, um processo que dá entrada na Relação é distribuído a dois juízes, um que serve de relator e outro de adjunto. No caso de haver consenso entre os dois, essa é a decisão final. Não havendo consenso, é o juiz presidente da secção [no caso, o juiz Marcolino] que desempata.
Ora, dentro da primeira secção, o processo foi distribuído à juíza Paula Guerreira e ao juiz José Carreto que, por coincidência, era vizinho de Armando Vara em Vinhais, Bragança, outro amigo de infância. Mais sorte, Armando vara não podia ter, o processo estava nas mãos de dois juízes amigos.
Quer dizer, o juiz Marcolino tinha preparado um esquema semelhante ao do meu processo para safar Armando Vara, onde o juiz José Carreto desempenhava o papel do juiz Vaz Patto. Porém, a atenção mediática que o processo mereceu não permitiu que o esquema fosse mais além. Era demasiado óbvio e ostensivo o tráfico de influências por parte do juiz Marcolino. Ficou a tentativa. O juiz José Carreto primeiro, e o juiz Francisco Marcolino depois, foram obrigados a pedir escusa ao Supremo que, naturalmente, afastou ambos do processo.
Num acórdão de que foi relatora a juíza Paula Guerreiro, o TRP confirmou a pena de cinco anos de prisão efectiva para Armando Vara. Este recorreu, então, para o Tribunal Constitucional. Só que passou o tempo e o Tribunal Constitucional nunca mais se pronunciava. Os jornalistas foram em busca de saber o que é que se estava a passar. Contactaram o TC e receberam como resposta que este tribunal não se pronunciava porque o processo nunca lá tinha chegado.
O caso começou a ganhar foros de escândalo público. Os jornais noticiavam:
-A insustentável leveza do Vara: cf. aqui
-Há um ano que Armando Vara consegue adiar prisão: cf. aqui
-Processo que envolve Armando Vara continua a marcar passo: cf. aqui
E foi somente depois desta pressão pública que o processo foi remetido pelo Tribunal da Relação do Porto ao Tribunal Constitucional que, obviamente, considerou o recurso improcedente.
O processo voltou ao TRP para ser remetido ao Tribunal de Aveiro, a fim de ser emitido o respectivo mandato de detenção. Porém, com a lentidão possível, e só depois, uma vez mais, de considerável pressão mediática, é que o processo saiu da primeira secção criminal do TRP para o Tribunal de Aveiro e, ainda assim, amputado de elementos cruciais para a emissão do mandato de detenção.
No fim, entre o momento em que o processo entrou pela primeira vez no Tribunal de Relação do Porto e o momento em que, sob pressão mediática e do Ministério Público, os últimos elementos do processo saíram da primeira secção criminal do TRP e chegaram ao Tribunal de Aveiro, decorreram três anos e meio.
O juiz Marcolino comportou-se como um verdadeiro amigo, um leal conterrâneo e correlegionário de Armando Vara e do PS. Fez tudo o que podia, usando a sua influência de presidente da primeira secção criminal do TRP, para o safar. Não conseguindo, fez tudo o que podia, usando e abusando dessa mesma influência, para diferir tanto quanto podia a entrada de Armando Vara na prisão, e aqui conseguiu alguma coisa de substancial.
Diz o povo que "Quem dá o que pode a mais não é obrigado", e o juiz Marcolino deu tudo o que podia. A tal ponto que deveria ter feito companhia a Armando Vara na prisão pelo crime de tráfico de influências.
(Continua acolá)
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