14 maio 2025

CUATRECASAS - Uma Máfia Legal (49)

 (Continuação daqui)

Sérgio Casca


49. Os mais conhecidos escritórios de advogados

A denúncia da juíza Paula Sá por aquele inimaginável conflito de interesses levou o CSM a instaurar um processo disciplinar ao juiz Marcolino, um ano após a sua nomeação como Inspecto Judicial. O Inspector nomeado pelo CSM concluiu que o juiz Marcolino tinha violado o seu dever de lealdade ao esconder do CSM informação relevante para a sua nomeação e também concluiu que ele tinha violado o seu dever de reserva ao pronunciar-se publicamente sobre a sua colega, a juíza Paula Sá. O inspector Marcolino foi condenado pelo CSM a pagar uma multa, suspenso por seis meses das funções de Inspector Judicial, que nunca mais retomaria, e mandado regressar ao Tribunal da Relação do Porto.

Nas profissões muito corporativas, como a medicina ou a judicatura, quando um dos seus membros se mostra incapaz de exercer competentemente a profissão, normalmente os colegas colocam-no a desempenhar funções administrativas. Nessa posição, um mau médico não mata ninguém e um mau juiz não põe nenhum inocente na prisão. O juiz Marcolino regressou ao TRP e em breve seria nomeado presidente da primeira secção criminal com funções burocráticas como as de distribuir os processos que dão entrada na secção.

Os seus colegas fizeram bem em colocá-lo naquele lugar. É que o juiz Marcolino já tinha posto um inocente na prisão quando era juiz de primeira instância em Bragança. Tal é a conclusão que se extrai do primeiro episódio da série "Condenados" que a SIC dedicou ao tema dos Erros Judiciários em 2010 (disponível no Youtube).

Em 1994 dois militares da GNR foram assassinados nos arredores de Bragança, depois de serem chamados em serviço, ambos abatidos com tiros na nuca, cinco num caso, dois no outro. Durante três anos a investigação ficou parada não se conseguindo encontrar os criminosos. À boca pequena, o povo dizia que o duplo homicídio estava relacionado com o tráfico de droga.

Até que no verão de 1998, no curto espaço de dois meses, tudo se precipitou. O cabo da GNR Sérgio Casca foi acusado de ter morto os colegas, julgado e condenado a 20 anos de prisão efectiva. O colectivo de juízes que condenou Sérgio Casca incluía o juiz Francisco Marcolino, então com 43 anos de idade, que se salientou durante o julgamento pela atitude acusatória. 

Na altura do crime, o juiz Marcolino era amigo e sócio de um empresário chamado Duarte Rodrigues, também conhecido por Duarte Lagarelhos, numa Imobiliária de Bragança. Até que, anos depois, em 2003, Sérgio Casca estava na prisão há cinco anos, um outro brigantino de nome Jaime Luciano Rodrigues foi preso pelo FBI em Miami por tráfico de droga. No seu depoimento perante o FBI, Jaime implicou Duarte Lagarelhos e o próprio juiz Marcolino. Cito do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2018, de que foi relator o juiz Souto de Moura:

"60º. Na referida sentença foi dado como provado que:

"O arguido LL [Jaime Luciano Rodrigues] ao ser interrogado no âmbito da investigação criminal de que a sua actividade delituosa de tráfico de estupefacientes estava a ser objecto no proceso 245H-MM-99a99, declarou em de Abril de 2003, em Miami, no gabinete e na presença do Procurador Adjunto Jerold P. McMillen, sito nas instalações do Tribunal Federal dos Estados Unidos da América do Norte e ainda perante os agentes policiais especiais do FBI, David F. Nunez e Josep A. Milligan, Jr., do seu próprio advogado Martin Feigenbaum e da tradutora Patrícia de Toldeo Markow que "Duarte Rodrigues [Lagarelhos] has insinuated to LL that he is protected by judge Marehlino in his ilegal undertakings (Duarte Rodrigues insinuou a LL que goza da protecção do juiz Marcolino nas suas actividades ilegais)"

No ano seguinte (2004), quem também foi preso, desta vez em Portugal, foi o sócio do juiz, Duarte Lagarelhos, que acabou julgado e condenado a nove anos de prisão efectiva por tráfico de droga (ecstasy) O povo era bem capaz de ter razão. O assassínio dos dois guardas da GNR anos antes estava muito provavelmente relacionado com o tráfico de droga. Sérgio Casca viria a ser libertado em 2008, após cumprir dez anos e meio de prisão, continuando até hoje a reclamar a sua inocência e comportando-se como um cidadão exemplar.

O regresso ao Tribunal da Relação do Porto não parou a fúria processual do juiz Marcolino. Bem pelo contrário, acelerou-a, tanto mais que no TRP não devia ter muito que fazer. O rol de processos que ele já tinha posto ou viria a pôr a quem se lhe metesse no caminho era impressionante para este juiz que dizia que para subir na vida o importante era a ligação a um partido do poder (no seu caso, o PS) e à maçonaria (no seu caso, a loja maçónica Luz do Norte).

Contra o presidente da Câmara de Bragança, que lhe ganhou as eleições, pôs um processo por este não o deixar estacionar o avião no aeródromo da cidade. Ao bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto, exigiu um milhão de euros de indemnização por este ter referido em público a situação de conflito de interesses em que se encontrava. Aos dois médicos psiquiatras e à psicóloga que atestaram a sanidade mental do pai para se casar com a madrasta, ele pôs processos judiciais. A funcionária do registo civil que  realizou o casamento  também não escapou. À madrasta nem se fala. O antigo sócio, e traficante de droga, Duarte Lagarelhos, também foi alvo de um processo por difamação, o mesmo acontecendo com Jaime Luciano Rodrigues, o traficante que o denunciou ao FBI. Ele pôs um processo ao Correio da Manhã que noticiara que no Tribunal de Bragança ele decidira um caso a favor da Imobiliária em que ele próprio era sócio,  À juíza Paula Carvalho e Sá os processos são sem conta. O juiz Marcolino chegou a processar o Estado Português no TEDH, alegando que a suspensão que o CSM lhe aplicara era ilegal, e invocando que lhe tinham sido violados sete direitos fundamentais. O TEDH não lhe reconheceu nem um.

A falta de julgamento deste juiz era atroz, mas ele acabaria por chegar ao Supremo. Ele perdia praticamente todos os processos em que se envolvia e, nos poucos que ganhava, é porque tinha havido batota. Aconteceu assim num dos últimos processos em que se envolveu com a juíza Paula Carvalho e Sá, mas desta vez o feitiço virou-se contra o feiticeiro. Foi ela que o processou por difamação porque num site da internet reservado a juízes ele a insultou, alegadamente chamando-lhe puta. O julgamento teve lugar no Supremo. O juiz Marcolino foi absolvido, alegando que nunca tinha chamado puta à juíza nem corno ao seu marido. A versão que triunfou em tribunal foi a de que tinha sido a esposa do juiz que, apanhando-o distraído, acedeu à sua conta do Facebook e disparou os impropérios contra a juíza.

Mas para um economista que se dedicasse a estudar a criminalidade legal existia, ainda assim, um grande mistério.

-Como é que o juiz Marcolino pagava tudo isto?

Existem duas componentes importantes do custo de pôr um processo judicial. A primeira consiste nas chamadas custas judiciais. Ora, nos termos do Estatuto dos Magistrados Judiciais, os juízes estão isentos de custas judiciais, e por este privilégio se começa a perceber por que é que o juiz  Francisco Marcolino se tornou uma espécie de maníaco processual. 

A segunda são os custos com advogados, e aqui a questão é verdadeiramente intrigante, senão mesmo alarmante. Ao ler e reler o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado acima, um dos parágrafos que mais me chamou a atenção foi este, em que o advogado da juíza Paula Sá a defende do juiz Marcolino nos seguintes termos:

110º Nem tão-pouco [a ré, Paula Sá] tem necessidade de contratar os mais conhecidos escritórios de Advogados para patrocínio da sua honra, pois que a defesa desta nunca demandou tamanha lavoura.

"Os mais conhecidos escritórios de advogados"!?  O vencimento de juiz não permite ao juiz Marcolino contratar os mais conhecidos escritórios de advogados a torto e a direito tendo em conta a quantidade de processos que ele põe contra pessoas e instituições. Ficaria arruinado.

A menos que os mais conhecidos escritórios de advogados lhe façam o trabalho de borla, caso em que, aos olhos de um economista, fica perfeitamente explicada a obsessão do juiz Marcolino em pôr processos judiciais a todos quantos lhe aparecem pela frente. 

Sem pagar custas judiciais e sem pagar aos advogados, os processos ficam-lhe de borla. Assim sendo, tudo o que vier à rede - em termos de indemnizações - é peixe. E fica tudo explicado.

Esta conclusão levanta, porém, uma questão:

-Como é que o juiz Marcolino retribui esses favores aos "mais conhecidos escritórios de advogados"?

Só de imaginar a resposta até se fica arrepiado.


(Continua acolá)

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