(Continuação daqui)
48. Juiz do Supremo
No dia em que tomou posse como Inspector Judicial, o juiz Francisco Marcolino tinha no Tribunal de Bragança, a sua terra natal, oito processos a correr contra outras tantas pessoas, a maior parte por difamação, e todos com substanciais pedidos de indemnização cível. Os processos eram o resultado dos constantes conflitos em que o juiz se envolvia no âmbito da sua actividade judicial, empresarial, associativa, familiar e até política. O juiz havia sido candidato pelo PS à Câmara de Bragança em 2003, tendo perdido para o candidato do PSD.
Na qualidade de Inspector Judicial, o juiz Marcolino ia agora avaliar os juízes que iam julgar os processos em que ele próprio estava envolvido. Um dos juízes decidiu a favor do juiz Marcolino um processo por difamação, atribuindo-lhe uma indemnização de 25 mil euros, e recebeu uma nota muito boa do Inspector Marcolino. Outros decidiram pedir escusa para não porem as suas carreiras em risco.
Em breve o Inspector Marcolino seria denunciado por uma juíza de Famalicão, Paula Carvalho e Sá, com a qual ele tinha entrado em conflito, e a juíza teve a ajuda do irmão mais novo do juiz, Amílcar Marcolino, com quem o juiz também estava em conflito, e não apenas judicial. Amílcar Marcolino apareceria mais tarde no Correio da Manhã com escoriações no rosto, fruto das agressões do irmão Francisco e do outro irmão, Manuel, à saída do Tribunal de Bragança, depois de uma sessão de julgamento.
A rixa familiar tinha tido origem no dia em que o juiz Marcolino, tendo comprado um avião a meias com um empresário de Bragança, quis registar o avião em nome da empresa do pai, que se dedicava à produção de estanhos, mas o irmão Amílcar opôs-se. A discussão, que terá tido lugar em casa da irmã - a única mulher entre os quatro filhos do pai Marcolino, também chamado Francisco - atingiu um ponto tal que o juiz deu ordem de prisão ao irmão. Felizmente, a irmã recusou-se a chamar a GNR e a coisa ficou por ali, ao estilo: "Agarrem-me senão eu prendo-o!". Pouco tempo depois, Amílcar Marcolino apresentava queixa contra o irmão no Conselho Superior da Magistratura afirmando que este o ameaçara com uma pistola que trazia no coldre à cintura, gritando: "Estouro-te os miolos!".
Na guerra judicial de mais de uma década que manteve com a juíza Paula Carvalho e Sá, o juiz Marcolino pôs uma multiplicidade de processos judiciais contra a colega e seus familiares. Num deles - por difamação, o que é que havia de ser? - o juiz exigia 500 mil euros por ofensas à sua honra. Num acórdão de 29 de Dezembro de 2019, três juízes da Relação de Lisboa confirmaram a absolvição da juíza, e a defesa era citada a invocar o carácter obsessivo com o que o juiz Marcolino punha processos a toda a gente e os montantes que pedia pela honra ofendida. Cito do acórdão:
"b) Contra a R. pretende obter a indemnização de um milhão de euros (cfr. fls. 1 a 62);
Durante o processo, a juíza Paula Carvalho e Sá pôs em dúvida a sanidade mental do juiz Marcolino. Volto a citar do acórdão:
"Em face do exposto, e sem prejuízo do que vier a resultar da realização da competente perícia psiquiátrica, concede-se que o Autor sofrerá de alguma doença crónica".
A verdade é que o juiz aceitou o repto, foi fazer os exames e acusou positivo. Cito mais uma vez do acórdão:
"163) Tendo iniciado um tratamento de carácter médico-terapêutico (cfr. doc de fls. 57 e 58, cujo conteúdo se dá aqui inteiramente reproduzido - (por referência ao artigo 214 da petição inicial)"
Não deve ser fácil encontrar alguém em Portugal que tenha utilizado mais vezes o sistema de justiça para enriquecimento próprio do que o juiz Francisco Marcolino - o que, tratando-se de um agente público, configura imediatamente o crime de prevaricação. Mas este nem sequer é o principal crime cometido pelo juiz Marcolino nos casos em que, de forma efectiva ou tentada, enriquece através do sistema de justiça. O principal é o crime de extorsão, nuns casos efectiva, noutros na forma tentada.
O juiz Marcolino, ao longo da sua carreira, pôs processos judiciais, a propósito de tudo e de nada e contra quem lhe aparecia pela frente. Somente à sua colega, juíza Paula Carvalho e Sá e seus próximos, ele pôs mais de vinte, embora ele diga que foram apenas dez. Todos para defesa da honra, afirma a juíza.
Mas o juiz não põe processos apenas à sua colega juíza nem apenas por causa da honra, embora esta seja a razão principal. O juiz põe processos a jornalistas, a jornais, a presidentes de câmara, às próprias câmaras municipais, a traficantes de droga, ao irmão mais novo, a bastonários de ordens profissionais, à madrasta, a médicos, a psicólogos, a advogados, a funcionárias do registo civil, ao próprio Estado português, que é o seu empregador, a lista é sem fim. Ele pôs mesmo um processo contra o próprio pai para o declarar incapaz. Os motivos, para além da honra, também são variados - aviões, vinganças, heranças, represálias, a lista é também sem fim.
Fica para os anais do Supremo Tribunal de Justiça aquele acórdão de 11 de Setembro de 2019 de que foi relator o juiz-conselheiro Maia Costa. No acórdão é relatada a perseguição que o juiz Francisco Marcolino, acompanhado pelo irmão Manuel e por mais dois capangas, fez a uma amiga da madrasta na noite do velório do pai, convencido que ela transportava dinheiro da herança (150 mil euros).
Eram já altas horas da noite, quando a mulher saía do carro para entrar em casa e o juiz lhe saiu ao caminho, seguido pelos seus capangas, e de arma na mão. O juiz Marcolino fez à amiga da madrasta a mesma ameaça que anos antes tinha feito ao irmão, e com a mesma pistola, uma Beretta de calibre 6,35 mm, mas agora dava-lhe uma conotação sexual que fazia toda a diferença. À mulher assustada, sofrendo de cancro da mama, ele gritou-lhe no silêncio da noite brigantina, a ponto de despertar os vizinhos, que saíram à rua para assistir à cena: "Ou dás-me o dinheiro ou estouro-te os miolos. Eu fodo-te!".
Em Setembro de 2022 o juiz Francisco Marcolino, qual fodilhão do nordeste transmontano, quando o PS era ainda governo, foi promovido a juiz do Supremo. Sairia três meses depois para a reforma com o vencimento e a posição correspondente à mais alta categoria da carreira judicial - a de juiz-conselheiro.
(Continua acolá)
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