25 abril 2025

CUATRECASAS - Uma Máfia Legal (8)

(Continuação daqui)



8. E o PSD não cobra nada?


Uma das questões que eu só compreendi perfeitamente um ano depois de ser condenado no Tribunal de Matosinhos diz respeito à importância desproporcional que o PSD e a Cuatrecasas deram ao meu comentário televisivo, ao ponto de levarem para tribunal uma armada de 14 testemunhas, entre advogados e administradores hospitalares, tudo boys do PSD, incluindo cinco advogados da Cuatrecasas. 

Como se isso não bastasse, para representar a Cuatrecasas e o seu director, Paulo Rangel, no processo judicial  foi escolhida uma sociedade de advogados claramente identificada com o PSD, que ostentava na sua designação social o nome de um importante barão do partido (entretanto falecido) - a Miguel Veiga, Neiva Santos & Associados - a qual, por seu turno, enviou para o tribunal nada menos do que dois advogados, o Papá Encarnação e o filho.

-Que mal teria eu feito ao PSD para o PSD me querer trucidar desta maneira?

É certo que no final do meu comentário televisivo eu apelava a que as mães das crianças internadas no Hospital de S. João não votassem no PSD enquanto a Cuatrecasas obstaculizasse a obra de construção da ala pediátrica. É certo também que este meu apelo, volvidos todos estes anos, tem o sabor de uma profecia. Nunca mais o PSD sozinho ganhou uma eleição no Porto, que é a sua cidade natal.

Mas esse apelo, ainda por cima feito no Porto Canal - um canal de televisão local e com reduzida audiência - não justificava, nem de longe, a importância que o PSD e a Cuatrecasas deram ao assunto e a desproporção de forças em tribunal, para já não falar nas manobras de bastidores que tiveram lugar no Tribunal de primeira instância de Matosinhos e, mais tarde, no Tribunal da Relação do Porto.

Eu devia ter tocado, sem me aperceber, numa corda imensamente sensível do PSD-Porto que era, à data, liderado pela facção do Paulo Rangel e do Rui Rio - a qual, um ano depois, viria a assumir a direcção nacional do Partido.

-Mas qual? Que mal teria eu feito ao PSD para justificar esta reacção absolutamente desproporcional?

O momento revelador aconteceu em Julho de 2019, um ano após a minha condenação no Tribunal de Matosinhos, numa notícia  do JN que envolvia, retrospectivamente, o Paulo Rangel e o Rui Rio.

A notícia dizia que o Ministério Público estava a investigar os ajustes directos da Câmara Municipal do Porto (CMP) às sociedades de advogados. Aparentemente, alguém se queixou ao MP que a CMP, na altura já liderada por Rui Moreira, estaria a favorecer a sociedade  de advogados Telles de Abreu & Associados.

Questionada pelos jornalistas, a CMP respondeu que no tempo em que Rui Rio foi presidente da CMP, a relação foi muito mais ostensiva com a sociedade de advogados Cuatrecasas de que  Paulo Rangel era o director no Porto. E dava números: nos últimos três anos do mandato de Rui Rio, a CMP pagou à Cuatrecasas 533 mil euros, uma média de 177 mil euros ao ano ou 14 700 euros ao mês.

Na realidade, numa notícia de 2013 sob o título "Escritório de Rangel ganha ajustes directos de 500 mil da Câmara do Porto", o próprio Paulo Rangel, na altura já director do escritório do Porto da Cuatrecasas, admitia a enormidade de horas de assessoria jurídica prestadas pela Cuatrecasas à CMP, tanto mais escabrosa quanto é certo que a CMP  possuía um grande gabinete jurídico.

Assim:

“Desde que estou no escritório [Cuatrecasas] os valores e horas trabalhadas até têm registado uma diminuição”, adianta Rangel, fornecendo informação detalhada. O ano com maior actividade foi 2011, num total de 2459 horas de assessoria jurídica prestada à Câmara Municipal do Porto pelo valor de 126 045 euros. Já em 2012 é, nesta retrospectiva de cinco anos, o ano em que a sociedade teve menos participação nas actividades jurídicas da autarquia. Tiveram lugar 1547 horas de prestação de serviços, facturadas em 98500 euros.

Foi neste momento que eu fui de volta a um ramo muito interessante da Ciência Económica, que tem sido sobretudo cultivado nos EUA, e que tem o nome de "Economia da Justiça" (Economics of Justice). Essencialmente, este ramo da Economia vê a Justiça com o olhar do economista, o qual explica toda a acção humana em termos dos seus benefícios e custos esperados, sejam eles financeiros ou de outra ordem.

O meu ponto de partida era o facto de que foi o PSD que elevou o Rui Rio a presidente da CMP. Foi também o PSD que elevou o Paulo Rangel a eurodeputado. Foi por virtude do Paulo Rangel ser eurodeputado e uma figura importante do PSD (ele disputara a liderança do partido com Passos Coelho), que a Cuatrecasas o promoveu a director do escritório do Porto para captar mais facilmente clientes de instituições públicas administradas pelo PSD.

Foi, portanto,  o PSD que pôs o Rui Rio e o Paulo Rangel naquelas posições que permitiram, então, ao primeiro utilizar dinheiros públicos para garantir uma renda mensal de 14 700 euros ao pequeno escritório do Porto da Cuatrecasas, dirigido pelo segundo, em troca de serviços de assessoria jurídica.

Se fossem pregos, nós podíamos contá-los, calcular o seu preço unitário e saber se foram facturados ao preço do mercado. Agora, horas de assessoria jurídica é algo que se esboroa nos dedos, não existe maneira objectiva de saber se foram ou não prestadas. Dada a relação partidária existente entre os dois contraentes, a presunção é a de que, mesmo que tivesse havido alguma prestação de serviços jurídicos, ela teria sido francamente sobrefacturada.

Enfim, o PSD pôs o Rui Rio a presidente da Câmara do Porto; o PSD pôs o Paulo Rangel a eurodeputado e, por essa via, o PSD pôs também o Paulo Rangel a director da Cuatrecasas; o PSD garantiu uma renda avultada ao escritório do Porto da Cuatrecasas.

É altura de fazer uma pergunta óbvia, a pergunta que falta fazer:

-E o PSD não cobra nada? É uma instituição de caridade?

E, em caso afirmativo, 

-Por que via é que lhe chega a sua comissão, qual a instituição que lha faz chegar? 


(Continua acolá)

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