(Continuação daqui)
9. Um polvo
Na minha perspectiva de réu, foi o segundo momento mais importante do julgamento, aquele em que o Nuno Botelho depôs como testemunha.
O Nuno Botelho tinha sido aluno do Paulo Rangel na Universidade Católica do Porto em 1991. Ele estava no primeiro ano de Direito e o Paulo Rangel era então um jovem Assistente de Ciência Política e Direito Constitucional.
Agora, o Nuno Botelho era o Presidente da Associação Comercial do Porto (ACP) uma veneranda instituição da cidade com sede num dos seus mais emblemáticos edifícios - o Palácio da Bolsa. Apresentou-se no Tribunal como sendo empresário e, aos meus olhos, fazia todo o sentido que na presidência da ACP estivesse um empresário, de preferência até um comerciante.
Eu só estremeci no banco dos réus foi quando o Nuno Botelho disse que a ACP tinha quinze directores e que o Paulo Rangel aportava (sic) credibilidade à presidência:
-Quinze!?
e fiquei a sonhar com a internet, porque eu quando estava sentado no banco dos réus, para matar o tempo, sonhava com a internet e com o blog Portugal Contemporâneo.
Mais tarde nesse dia, ainda antes de aceder à internet, eu comentei com um amigo:
-Sabes que a ACP tem quinze directores?... Não é possível governar uma instituição com quinze pessoas sentadas à volta da mesa a tomar decisões... não é possível formar consensos...
Mas, o meu amigo que é mais sagaz do que eu, logo atalhou:
-A menos que eles, antes de entrarem para as reuniões, já tenham os consensos formados...
Fiquei a pensar na observação enigmática do meu amigo e logo que cheguei a casa fui à internet ver a página da ACP. E tive uma pequena surpresa. Quatro dos directores da ACP testemunhavam contra mim neste processo judicial, representando 30% da direcção. Para além do Nuno Botelho, também o Paulo Rangel, o Avides Moreira e a Maria José Barros.
Ora, eu considerava perfeitamente natural que um empresário fosse director, e até presidente da Associação Comercial do Porto, especialmente se fosse comerciante. Mas já era mais difícil de compreender que na direcção de uma Associação de comerciantes estivessem também dois advogados e uma administradora hospitalar mais todos os outros até perfazerem dezena e meia.
O que é que uniria toda esta gente?
Em breve cheguei à resposta. Era o Partido, e aquilo que o Partido proporcionava.
E nesta perspectiva daquilo que o Partido proporcionava, o mais arrepiante estava ainda para vir.
Quando pronunciei o meu comentário televisivo (Maio de 2015), que mencionava explicitamente a ACP, eu sabia que o Paulo Rangel e o Avides Moreira (respectivamente, director e subdirector da Cuatrecasas-Porto) pertenciam à sua direcção. Mas era tudo, e não pensei mais no assunto, em parte porque não tinha a informação que o Nuno Botelho veio revelar em tribunal.
É caso para perguntar o que é que dois advogados, ambos directores da Cuatrecasas, sendo um deles também eurodeputado, faziam na direcção de uma associação de comerciantes. Em breve chegaria à resposta.
Declarações do. Nuno Botelho em notícias e entrevistas à comunicação social, disponíveis na internet, levavam à conclusão que a ACP se financiava sobretudo através de fundos comunitários. A presunção era, pois, a de que o eurodeputado Paulo Rangel estava na direcção da ACP para facilitar o acesso a esses fundos, tanto mais que a Cuatrecasas também possuía um escritório em Bruxelas.
E como é que ele se faria retribuir pela utilização que fazia da sua condição pública de eurodeputado para obter benefícios para uma instituição privada, como é a ACP? Presumivelmente, seria pago directamente pela própria ACP ou indirectamente através da Cuatrecasas.
Mas era precisamente agora que surgia a parte mais chocante do depoimento do Nuno Botelho. Segundo ele declarou candidamente em tribunal, a ACP era cliente da Cuatrecasas!
O conflito de interesses era gigantesco - os directores da empresa fornecedora de serviços jurídicos (Cuatrecasas) sentavam-se na direcção da instituição sua cliente (ACP). Como é que se decidia na ACP a quem era entregue o fornecimento de serviços jurídicos? E como era decidido o preço a pagar por eles?
Mas isto não era sequer o mais importante. O mais importante é que se criava a presunção de que o Paulo Rangel se fazia pagar a três carrinhos - como director da ACP, como director da Cuatrecasas, e ainda, como eurodeputado.
Em suma, com uma elevadíssima probabilidade, para não dizer certeza, uma parte dos fundos comunitários que entravam na ACP acabava no bolso do eurodeputado Paulo Rangel e nos cofres da sociedade de advogados Cuatrecasas. E como quem tinha alavancado toda esta gente aos lugares que ocupavam tinha sido o Partido, punha-se a questão de saber se o Partido também recebia alguma coisa (e como e através de quem) ou se era uma instituição de caridade.
Era para isto que a União Europeia atribuía fundos a Portugal?
O magistrado X não viu no depoimento do Nuno Botelho nenhum indício dos crimes de tráfico de influências ou de financiamento ilegal de Partido, e ainda bem porque eu não tinha nenhum desejo de criminalizar o Paulo Rangel ou fosse quem fosse. O magistrado Ferreira da Rocha estava demasiado concentrado no crime que eu cometi - o de não ter o devido respeito pelos políticos e pelos advogados do regime, conforme declarou nas alegações finais para suportar a minha condenação.
Como é que havia de ter com exemplos destes?
(Continua acolá)
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