25 abril 2025

CUATRECASAS - Uma Máfia Legal (7)

 (Continuação daqui)

Fonte: cf. aqui


7.  Como veio a acontecer


Afinal o que é que havia naquele Protocolo que me causou tanta indignação?

-Era profundamente ingrato e leonino. Senti-o como uma grande punhalada nas costas.

A administração do HSJ tinha-me pedido o favor de continuar o Projecto do Joãozinho, iniciado no Hospital uns anos antes. Mas quem lesse aquele Protocolo redigido pela Cuatrecasas iria concluir que era a administração do HSJ que me fazia o grande favor de permitir que eu fizesse a Obra e a pagasse.

Foi no final de Abril de 2015. Os trabalhos estavam a decorrer há quase dois meses, eu estava profundamente comprometido, tinha já assinado vários contratos por aquela Obra, incluindo contratos de mecenato e um contrato de empreitada no valor de 20,2 milhões de euros com um consórcio de construtoras.  Foi nessa altura que fui confrontado com o documento, ao mesmo tempo que a administração do HSJ mandou parar os trabalhos, até que eu o assinasse.

Os trabalhos só seriam recomeçados quando eu obtivesse a licença da Câmara Municipal do Porto para fazer a Obra, quando, na realidade, era sabido que obras destinadas a serviços de saúde nos terrenos do Hospital estavam isentas de licenciamento camarário. À parte a cedência do projecto de arquitectura e a disponibilização do espaço para fazer a obra (uma cláusula que o HSJ nunca viria a cumprir), o Protocolo só continha obrigações para a Associação Joãozinho e para mim próprio, e nenhumas para o Hospital, nem sequer um agradecimento aos mecenas.

Nenhuma das modalidades de cooperação que o Hospital prometera à Associação era mencionado no Protocolo, como o seu envolvimento na angariação de mecenas, a concessão de certos benefícios aos mecenas (v.g., estacionamento), a disponibilidade para colocar o nome dos mecenas no edifício da ala pediátrica. Se a obra fosse interrompida por qualquer motivo, o HSJ ficava com a prerrogativa de se apropriar dela e pôr a Associação Joãozinho dali para fora. Cúmulo dos cúmulos, se a Associação não conseguisse angariar junto dos mecenas todo o dinheiro necessário para pagar a obra, ficava eu pessoalmente responsável por a pagar. Por fim - a cereja em cima do bolo -, se eu ou a Associação Joãozinho não cumpríssemos qualquer destas múltiplas obrigações que o Protocolo nos impunha seríamos levados a tribunal. 

De mecenas por consentimento, se eu assinasse aquele documento, passaria a ser o autor da minha própria ruína e de todos aqueles que viviam à minha volta. O Protocolo estava feito para que eu o rejeitasse e a Obra fosse entregue a uma empresa amiga do PSD (como veio a acontecer, por um valor substancialmente superior).

Por outro lado, o processo estava já demasiadamente adiantado, e com múltiplos compromissos assumidos, para que eu pudesse desistir facilmente. Durante um tempo, eu e a minha colaboradora Fátima Pereira, que é jurista, procurámos negociar uma versão aceitável do Protocolo com a administração do HSJ e com a Cuatrecasas, onde agora dava a cara o sub-director do escritório do Porto, Filipe Avides Moreira, o típico "Betinho da Foz" - uma casta que só existe no Porto, são filhos-família, meninos mimados que vivem do nome de família, casam-se uns com os outros, falam com trejeitos, gostam de salamaleques, mas não valem grande coisa. Até que de um lado e do outro os telefones deixaram de ser atendidos.

Foi então que decidi adoptar a única solução que me restava e que tinha grandes probabilidades de êxito numa cidade fortemente comunitária como é a cidade do Porto - o escândalo público. O comentário no Porto Canal saiu fulminante e certeiro. O eurodeputado Paulo Rangel foi literalmente apanhado de calças na mão, numa situação de conflito de interesses que a partir de 2019 viria a ser proibida pelas leis anti-corrupção -  um eurodeputado  aproveitava as suas funções públicas para promover interesses privados, acumulando com a direcção da Cuatrecasas.

O comentário foi altamente eficaz. Em Julho, uma versão aceitável do Protocolo estava a ser assinada entre o HSJ, a Associação Joãozinho e o consórcio Lucios-Somague. Porém, uns meses depois, recebi uma notificação do Ministério Público de Matosinhos para comparecer na qualidade de denunciado.

(Continua acolá)

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