29 abril 2025

CUATRECASAS - Uma Máfia Legal (17)

 (Continuação daqui)

Ricardo Encarnação, o Encarnaçãozinho


17. O Professor Paulo Rangel


Uma das imposturas mais engraçadas que atravessou todo o julgamento teve a ver com as credenciais académicas do "Professor" Paulo Rangel, e começou logo na sessão de abertura de instrução realizada meses antes.

A juíza de instrução Catarina Ribeiro de Almeida, ostentando um maravilhoso anel na mão esquerda, parecia mais preocupada em cumprir algum compromisso que tinha nessa manhã (provavelmente no cabeleireiro) do que em fazer o seu trabalho, e logo que terminou a minha sessão e ia começar a seguinte, ela ralhou com o pessoal do tribunal que lhe tinha marcado tanto trabalho para aquela manhã. 

A verdade é que a minha sessão tinha demorado mais do que o previsto. A meio da sessão foi a altura de falar o jovem advogado Ricardo Encarnação, que eu conhecera momentos antes, à entrada para a sala de audiências, e que mais tarde, depois de conhecer o pai, eu viria a baptizar com o carinhoso nome de Encarnaçãozinho.

Pois o Encarnaçãozinho começou para ali a falar do Professor Paulo Rangel para aqui e para acolá, Professor nesta Universidade e mais naquela, que escrevia livros e artigos em revistas muitos conceituadas, ao passo que o Dr. Pedro Arroja escrevia em jornais e em blogues...

Comecei a ver onde é que o Encarnaçãozinho queria chegar.

Nem lhe dei mais tempo. Sem pedir licença a ninguém, interrompi-o e desanquei-o a ele e ao "Professor" Paulo Rangel, que não era Professor coisa nenhuma, mas um mero licenciado, um Assistente universitário. Doutorado, um verdadeiro Professor, era eu!. 

Continuei exaltado, dirigindo-me ao Encarnaçãozinho de dedo em riste. Estávamos ali porque alegadamente eu tinha ofendido o Dr. Paulo Rangel. Agora era ele que me ofendia a mim, tratando-me por Dr. e não por Professor: "Faz favor de me tratar com respeito, por Professor porque Dr. é o seu cliente, um usurpador de títulos académicos!". 

Foi o caos, até a minha advogada, à saída, me repreendeu por eu ter ido para a sala do tribunal dizer que o Rangel não era Professor, e a própria juíza, a partir daí, já não sabia como me tratar, para não falar do Encarnaçãozinho que ficou completamente abalado com a minha reacção e nunca mais atinou. 

Todas as profissões têm a sua hierarquia e a profissão académica não é excepção. Embora o termo professor seja aplicado em vários contextos, até para designar um professor primário, a verdade é que na Academia ele tem um significado preciso e que até lhe é conferido por lei. Professor é o académico que já  fez um doutoramento, havendo depois três degraus na carreira (Professor Auxiliar, Professor Associado e Professor Catedrático). Docentes universitários com os graus de licenciado ou mestrado, que não tenham obtido o grau de doutor, são meros Assistentes, e o Rangel era isso, um mero Assistente universitário. Ora, um Assistente que se faz passar por Professor é como um Sargento que se faz passar por General, um impostor.

Creio que o Encarnaçãozinho terá ido fazer queixa ao Pai pela forma como o tratei, e o Papá Encarnação nunca  me perdoou ter ido aos fagotes do filho. Certo é que, mais tarde, durante todo o julgamento, que durou quatro meses, o Encarnaçãozinho nunca mais abriu a boca. Terá compreendido que isto era para homens e não para miúdos.

Durante o julgamento foi o Papá Encarnação que voltou ao tema, que o Professor Paulo Rangel dava aulas na Universidade Católica e na Oporto Business School, escrevia coisas muito importantes aqui e acolá, ao passo que, quando se referia ao Dr. Pedro Arroja, ...

A partir do blogue Portugal Contemporâneo, e quando já toda a gente no julgamento lia o blogue, eu comecei literalmente a gozar com o Papá Encarnação e com o "Professor" Paulo Rangel, que ele não era Professor coisa nenhuma, mas um simples licenciado, um mero Assistente universitário. Professor era eu!

Engraçado é que, depois, o Papá Encarnação conversava as testemunhas para irem para o tribunal responder àquilo que eu escrevia no blogue. E foi ver testemunhas, umas atrás das outras, a desfilar no sentido de convencerem o juiz que o "Professor" Paulo Rangel era um verdadeiro Professor, e não um farsante.

O tema foi focado por quase todas as  testemunhas mas sobressaiu nos depoimentos dos advogados Avides Moreira, Pedro Magalhães, Nuno Botelho e Nuno Cáceres.

E como foi a carreira académica do Professor Paulo Rangel, segundo eles?

Em síntese, foi assim:

O Professor Paulo Rangel foi um brilhante aluno de Direito na Universidade Católica do Porto, onde ficou como Assistente das cadeiras de Ciência Política e Direito Constitucional. Entretanto, chegou a estar seis meses na Alemanha para aprender alemão.

Mais tarde, inscreveu-se no Mestrado em Direito da Universidade de Coimbra. Aí conheceu o Professor Gomes Canotilho que mais tarde o viria a considerar "um dos juristas mais eminentes da sua geração" (Nuno Botelho).

A tal ponto que "O Professor Canotilho esteve [recentemente] no aniversário dos 50 anos do Professor Paulo Rangel" (Nuno Cáceres).

O Professor Gomes Canotilho considerou-o, na altura,  um aluno de Mestrado de tal maneira brilhante e profundo, e de tal modo acima do grau de Mestre,  que lhe sugeriu que fosse mas era fazer imediatamente o Doutoramento.

E ele assim fez. Foi-se inscrever no Doutoramento em Direito da Universidade Nova de Lisboa recomendado pelo Professor Gomes Canotilho.

Hoje, o Professor Paulo Rangel é Professor na Universidade Católica do Porto e na Oporto Business School.

Perante este eminente percurso académico, recheado de referências a mestrados e doutoramentos, quem soubesse do que se tratava iria concluir o óbvio, que o "Professor" Paulo Rangel não era Professor nenhum, mas um simples licenciado, um mero Assistente universitário.

Quem deu o golpe fatal na impostura do "Professor" Paulo Rangel foi o Paulo Mota Pinto que foi anunciado ao tribunal com grande fanfarra pelo Papá Encarnação. Naquele seu jeito de advogado de província, o gesto largo, a voz pausada, a máxima solenidade, o Papá Encarnação introduziu o Paulo Mota Pinto como um  ex-juiz do Tribunal Constitucional, Professor na Universidade de Coimbra, que tinha vindo expressamente de Lisboa para depôr no Tribunal de Matosinhos, embora morasse em Coimbra...

O Paulo Mota Pinto vinha muito apressado. Esteve para ali cinco ou dez minutos a dar elogios ao Rangel, uns atrás dos outros, disse que ele era bom em tudo o que fazia e concluiu dizendo que, se o Rangel tivesse feito um doutoramento, teria dado também um excelente Professor universitário.  

(Continua acolá)

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