29 abril 2025

CUATRECASAS - Uma Máfia Legal (18)

 (Continuação daqui)

Fonte: cf. aqui


18. O modus operandi

Em 2019, em Espanha, caiu o Governo do Partido Popular de Mariano Rajoy, que tinha como vice-presidente Soraya Sáenz de Santamaría, uma advogada com carreira profissional na Abogacia del Estado. Meses depois, a Cuatrecasas contratou-a para os seus quadros com um salário anual de 600 mil euros.

O caso gerou polémica.

Tinha sido sob a vice-presidência de Soraya de Santamaría que, em 2015, a Abogacia del Estado e a Fiscalía tinham aceite um acordo que comutava a pena de dois anos de prisão aplicada a Emílio Cuatrecasas por fraude fiscal numa pena de multa de quatro milhões de euros. (Nota: Em Portugal a Abogacia del Estado e a Fiscalia espanholas estão reunidas no Ministério Público).

A contratação sugeria que tinha havido tráfico de influências no acordo de comutação da pena e que a Cuatrecasas estava agora a retribuir o favor,  tanto mais que Soraya era, ela própria, abogada del Estado e a Cuatrecasas tinha uma história de ligação ao Partido Popular. O assunto trouxe a público a longa história da Cuatrecasas a contratar políticos, juízes (alguns do Supremo), magistrados do Ministério Público e até vogais do equivalente espanhol do Conselho Superior da Magistratura.

Um artigo do jornal "Vozpopuli" com o título "Cuatrecasas vuelve  a pescar en la justicia: fiscales y jueces precederon a Santamaría", depois de elencar vários nomes sonantes da política e da justiça espanholas contratados pela Cuatrecasas ao longo das últimas décadas, acrescentava:

"Cuatrecasas, que opera en España, Portugal y América Latina, ha aplicado este 'modus operandi' en otros países. Quizás el caso mas conocido es el del exministro de la Presidencia y Defensa Nacional y exjuez de la Corte Constitucional de Portugal, Antonio Vitorino, a quien ficharon en 2005 al equipo de la firma."

Neste aspecto, o artigo só pecava por incompletude. Pouco tempo depois, a Cuatrecasas contratava também o Paulo Rangel, na altura eurodeputado e ex-secretário de Estado da Justiça do Governo de Santana Lopes e, em breve, vice-presidente do Partido Popular Europeu. Quem visse os dois em 2014 em algum debate televisivo, o Vitorino como mandatário do PS às eleições europeias, o Rangel como cabeça de lista do PSD às mesmas eleições, julgaria tratar-se de dois adversários políticos. Porém, quando as câmaras se desligassem, a realidade era bem diferente, eles tinham muito mais em comum do que aquilo que os separava - eram ambos sócios na Cuatrecasas. 

É altura de perguntar: O que é que a Cuatrecasas procura obter quando emprega políticos, juízes e magistrados do Ministério Público? E que benefícios resultam daí para a sociedade?

A Cuatrecasas visa o tráfico influências a fim de poder manipular a justiça e a política a seu favor e dos seus clientes.

Assim, por exemplo, se a Cuatrecasas tem um processo a correr num certo tribunal e emprega ex-juízes, é natural que estes conheçam os seus ex-colegas desse tribunal e possam influenciar o processo. O mesmo com magistrados do Ministério Público.

Nove meses depois de ter sido condenado por ofensas à Cuatrecasas no Tribunal de Matosinhos, e dias antes de a condenação ser agravada no Tribunal da Relação do Porto, eu dei entrada num hospital com um enfarte do miocárdio e fui submetido a uma operação de urgência ao coração. Quando acordei, vinte e duas horas depois de ter adormecido, e verifiquei que estava vivo, a minha preocupação era a de saber, caso tivesse morrido, se tinha deixado alguma coisa por dizer.

A resposta, que deixei registada no blogue Portugal Contemporâneo num post com o título "só uma", foi afirmativa. Por essa altura, eu estava convicto, mas nunca tinha exprimido, que durante o meu julgamento no Tribunal de Matosinhos, a Cuatrecasas tinha o Ministério Público na mão. Era uma altura em que eu ainda tinha alguma confiança na justiça. Se fosse hoje seria muito mais explícito e acrescentaria: "... e também  alguns juízes".

Mas é uma outra consequência desta tradição da Cuatrecasas de empregar políticos, juízes e procuradores do Ministério Público  que eu gostaria de fazer ressaltar.

Quem tem capacidade para manipular a justiça atrai invariavelmente grandes criminosos. Para um grande criminoso que tenha de escolher entre uma sociedade de advogados que pode manipular a justiça a seu favor (e possui o capital humano para isso, como ex-juízes e ex-magistrados do MP) e outra que não tem essa capacidade, ele escolhe obviamente a primeira. Desde que o grande criminoso, para além de ser um grande criminoso, seja também um criminoso endinheirado, porque os que não têm dinheiro não interessam à sociedade. Não surpreende, por isso, que a Cuatrecasas tenha a mafia russa entre os seus clientes mais fieis, e certamente muitas outras cuja confidencialidade ela protege ao abrigo da sua omertà corporativa - o sigilo profissional, que é um privilégio legal que a Ordem dos Advogados lhe garante. 

(Continua acolá)

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