28 abril 2025

CUATRECASAS - Uma Máfia Legal (16)

 (Continuação daqui)

António Ferreira: O Paulo Rangel tomou conhecimento do meu comentário televisivo por um telefonema do António Ferreira no dia seguinte de manhã. Mas na véspera, o Avides Moreira já tinha tomado conhecimento do comentário por um telefonema do Paulo Rangel.


16. Impostura

O julgamento decorria há mais de três meses, tinham sido realizadas cinco sessões. Eu só tinha falado na primeira sessão e só voltaria  a falar na penúltima, a sétima.  Estava agora há mais de três meses e cinco sessões a observar o espectáculo que se desenvolvia perante os meus olhos, a Armada da Cuatrecasas, um após outro a testemunharem em tribunal. Ei-los em meados de 2018, qual célula do PSD:

Paulo Rangel (advogado, ex-Cuatrecasas) 
Filipe Avides Moreira (advogado, Cuatrecasas) 
Vasco Moura Ramos (advogado, Cuatrecasas) 
José Carvalho de Freitas (advogado, Cuatrecasas)
Raquel Freitas (advogada, Cuatrecasas)
Nuno Cáceres (advogado)
Nuno Cameira Botelho (advogado, presidente da A.C. Porto)
Pedro Jorge Ferreira de Magalhães (advogado)
Miguel Cerqueira Gomes (advogado)
Paulo Mota Pinto (advogado, professor, Fac. Direito, U.C.)
António Lobo Ferreira (médico, administrador hospitalar, ex-HSJ)
João Carvalho de Oliveira (administrador hospitalar, ex-HSJ)
Manuel Amaro Ferreira (administrador hospitalar, ex-HSJ)
Maria José Barros (advogada, administradora hospitalar, ex-HSJ)

Certo dia de Maio, entre a quinta e a sexta sessão, ao volante do meu carro, ocorreu-me colocar a mim próprio a seguinte questão: "Se eu tivesse de escolher uma palavra - uma palavra só - para caracterizar aquilo a que estava a assistir no Tribunal de Matosinhos, que palavra escolheria?"

A resposta foi: Impostura. 

Nada daquilo era verdadeiro. Eu estava a assistir a uma peça de teatro que, embora inspirada na realidade, não tinha nada que ver com a realidade. Tudo aquilo era falso, pura representação, a verdade estava sempre ausente e quando despontava tinha sempre uma aparência, fugaz, retorcida e martelada.

Os trabalhos de construção da nova ala pediátrica tinham começado a 3 de Março com a presença do primeiro ministro.  Mas quando o magistrado do Ministério Público, Ferreira da Rocha, perguntou ao presidente do HSJ, António Ferreira, e ao vice-presidente, João Oliveira, se, à data do meu comentário televisivo (25 de Maio) havia trabalhos realizados na obra do Joãozinho, ambos responderam que não se lembravam.

Isto de os gestores de grandes instituições não saberem ou não se lembrarem do que se passava lá dentro parecia um vírus que, entretanto, se tinha introduzido naquela sala de tribunal.

Quando pronunciei o comentário no Porto Canal, não sabendo quem tinha escrito o Protocolo que estava no centro da discussão, pensei aquilo que qualquer pessoa com experiência profissional de gestão pensaria: "O director tem obrigação de saber aquilo que lá se faz" e disparei sobre o Paulo Rangel.

Que erro tremendo.

Segundo o seu depoimento no tribunal, ele não sabia de nada do que se passava no escritório de advogados de que ele próprio era director, auferindo uma remuneração de dez mil euros ao mês em cima do seu ordenado de eurodeputado. Os seus subordinados bem podiam fazer o pino durante as horas de trabalho, ou praticar sexo em grupo, que ele não sabia de nada, muito menos de Protocolos encomendados pelo seu cliente HSJ ao abrigo de uma avença. Além disso, como ironizei na altura, um "Professor" como ele (outra impostura), não se prestava a redigir Protocolos, só Tratados Internacionais. 

Já então eu previa que um dia ele chegaria a ministro dos Negócios Estrangeiros com o gosto que já tinha para se ocupar de Tratados Internacionais. Agora, Protocolos relativos a hospitais, ainda por cima para crianças, isso não lhe interessava para nada, até porque - já se sabia na altura e ele confirmaria mais tarde - era pouco provável que algum dia ele viesse a ter crianças.

Afinal, quem, na Cuatrecasas, teria redigido o famigerado Protocolo, se é que isso tinha algum interesse, excepto para prolongar o julgamento?

Ainda hoje não se sabe ao certo. Na queixa-crime apresentada ao Ministério Público a Cuatrecasas dizia que tinha sido a sua advogada Raquel Freitas, o que me levaria mais tarde a baptizá-la com o nome de Quequé dos Protocolos ou simplesmente Quequé.

Porémquando foi interrogada pelo magistrado X, e este lhe perguntou se tinha sido ela a redigir o Protocolo, como constava da queixa, ela disse que não, que não foi só ela, foi ela e mais dois colegas, que nomeou (Filipe Avides Moreira e Vasco Moura Ramos). Mas quando o magistrado X insistiu e lhe perguntou, dentre os três, qual tinha sido o autor principal, ela fez um silêncio, pensou, pensou e depois de muito pensar, respondeu: "Não me lembro".

Quem agora se lembrava e muito era eu de uma charla do Herman José, o meu humorista preferido, em que ele faz de Zé Chunga, o arrumador de automóveis, e é entrevistado pelo Vítor de Sousa. Quando este lhe pergunta se ele achava que Portugal era um país onde eram dadas oportunidades aos jovens, ele fica em silêncio, olha para o ar, pensativo, como que a reflectir sobre a resposta, e finalmente diz: "Olha, não me lembra, pá... agora não me lembra! ..." . E acrescentou, como que a desculpar-se da falta de memória: "...é por causa... também... que eu tenho andado com sinosite...". Parecia que naquele tribunal toda a gente tinha andado com "sinosite".

Outra das pantominices muito engraçadas ocorreu a propósito do momento em que os principais intervenientes no processo tinham tomado conhecimento do meu comentário televisivo, o qual teve lugar a 25 de Maio, cerca das 20:30.

O primeiro a ser interrogado sobre esta questão foi o Paulo Rangel.  O magistrado do MP perguntou-lhe quando é que tinha tido conhecimento do comentário, e ele respondeu que tinha tido conhecimento no dia seguinte de manhã, quando o António Ferreira lhe tinha telefonado muito aflito. 

A seguir depôs o António Ferreira, e o magistrado Ferreira da Rocha fez-lhe a mesma pergunta. Respondeu que não tinha visto o comentário. O magistrado insistiu, se ele não o tinha visto no dia em que eu o produzi, ou se, de todo, nunca o tinha visto. Ele respondeu que nunca o tinha visto. 

Duas sessões adiante, o magistrado  colocou a mesma pergunta ao Avides Moreira, na altura vice do Rangel na Cuatrecasas. Respondeu que tinha tomado conhecimento do meu comentário no mesmo dia em que foi  produzido, através de um telefonema que  o Paulo Rangel lhe fez cerca das 10:30 noite.

Conclusão. O Avides Moreira tinha tomado conhecimento do meu comentário no próprio dia em que eu o fiz, através de um telefonema do Paulo Rangel, o qual só tomou conhecimento do comentário no dia seguinte de manhã através de um telefonema do António Ferreira, o qual, por seu turno, nunca viu o comentário!

Era assim que os impostores se exibiam no tribunal sem qualquer vergonha e ninguém os parava. Eu hoje faço um julgamento muito mais severo sobre o juiz João Manuel Teixeira do que fiz naquela altura.  Cerca de um mês depois, na sentença, ele escreveu assim. "Este julgamento teve muitas sessões, muitos depoimentos, muitas explicações. Não era preciso".

Na realidade, tinha sido preciso para criar no espírito do juiz aquela história fantasiosa que o levou a retratar-me como um louco que um dia, condoído com a situação das crianças internadas no HSJ, decidiu fazer uma associação, contratar duas construtoras e entrar por ali dentro determinado a fazer a obra, sem pedir licença a ninguém.

E o julgamento só teve tantas sessões porque ele próprio tolerou que as tivesse, assistindo passivamente àquele espectáculo teatral e fraudulento que o levou no fim condenar-me por ofensas à Cuatrecasas, como veio a acontecer.  

A sentença condenatória é, ela própria, uma elegia à Cuatrecasas, uma sociedade de advogados pela qual o juiz mostra ter grande admiração. Neste aspecto, eu devia ter dado mais atenção a um pequeno pormenor que ocorreu logo numa das sessões iniciais quando o juiz João Teixeira interrogou o João Oliveira, administrador do HSJ.

Perguntou-lhe por que é que, tendo o HSJ um grande departamento jurídico, o João Oliveira foi pedir á Cuatrecasas que elaborasse o Protocolo. E depois, em jeito de analogia, acrescentou que era como uma pessoa a quem aparece um problema nos ossos e que, em lugar de começar por consultar um médico de família, vai logo consultar um "eminente ortopedista".

O "eminente ortopedista" era, evidentemente, a Cuatrecasas. Deve ter sido gratificante para a Cuatrecasas, ainda o julgamento não ia a meio, saber que tinha na pessoa do juiz um grande admirador, vá-se lá saber porquê.

(Continua acolá)

Sem comentários: