08 março 2025

O Muro da Vergonha (75)

 (Continuação daqui)



75. Novo outra vez

Na passada Quarta-feira de Cinzas o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, apareceu numa entrevista na televisão com a cruz desenhada na testa, um sinal do seu catolicismo, que anuncia o início da Quaresma.

Este sinal tem um imenso significado.

O EUA foram fundados como um Estado laico, assente na separação entre o Estado e a Religião e na impossibilidade de o Estado estabelecer uma Religião oficial, como prescreve a Primeira Emenda  (cf. aqui). Nem podia ser de outro modo. Como observou Tocqueville, a democracia americana assenta na religião que é, neste país,  "um facto estabelecido e irresistível que ninguém ousa atacar ou defender".

A religião de que falava Tocqueville era sobretudo o protestantismo cristão que, ao contrário do catolicismo (na altura da fundação proibido em Inglaterra e, portanto, também na sua colónia americana), não é uma religião única, mas uma pluralidade de religiões cristãs - tantas quantas as chamadas "seitas" protestantes.

Esta pluralidade religiosa, que esteve na origem da pluralidade da democracia, expressa nos partidos políticos, exigia do Estado uma postura de neutralidade em relação a todas as religiões -o conceito de Estado laico.

Foi precisamente esta neutralidade, a separação entre Estado e Religião, que Marco Rubio veio quebrar. Na sua pessoa juntaram-se Estado e Religião, e não é por acaso que a religião é a Católica.

Marco Rubio foi educado católico, filho de imigrantes cubanos. O movimento do Post-liberalismo que enforma a administração americana é um movimento católico que defende que o Estado - ao invés do que defendiam os pais fundadores americanos - não deve ser laico, isto é, neutral em relação aos valores morais e religiosos. Pelo contrário, o Estado deve definir a partir de cima, promover e ser o exemplo de certos valores morais que devem ser comuns a todos os americanos.  É neste sentido que Portugal, sob o regime de Salazar, que juntava o Estado e a Igreja, tem sido por vezes citado pelos autores deste movimento (cf. aqui).

A religião cristã mais bem preparada para fornecer esse código moral é o catolicismo. O catolicismo tem tradição; o catolicismo possui um código com "os artigos da fé" (Catecismo); o catolicismo, ao contrário do protestantismo, tem unidade (na figura do Papa); o catolicismo pode fornecer o equilíbrio doutrinal entre valores que a nova administração americana procura realizar - o valor da comunidade (expresso, entre outras manifestações, no protecionismo económico da Administração Trump) para temperar o individualismo americano; e o valor da autoridade (expresso no próprio Trump) para temperar a liberdade.

A América está a tornar o catolicismo novo outra vez. Na realidade, só a América conseguiria fazê-lo (cf. aqui).

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