02 março 2025

O Muro da Vergonha (74)

 (Continuação daqui)



74. Os Açores


Tocqueville já tinha observado que onde os europeus chamam o Estado para resolver um assunto, os americanos juntam-se para o conseguir.

Este é um traço distintivo da cultura americana: em lugar do poder, em que uma parte oprime a outra, os americanos põem a cooperação voluntária ("a deal"), que pressupõe o consentimento de ambas as partes.

To make a deal é um desejo permanente e uma frase recorrente no discurso do Presidente Donald Trump e, neste aspecto, ele é distintamente americano. É claro que to make a deal cada uma das partes tem de possuir alguma coisa para oferecer às outras. (Este é o grande problema de Zelenski na conjuntura actual)

A ideia de resolver os assuntos pelo negócio e não pela força é um progresso civilizacional considerável que os americanos trouxeram para a cena internacional, mas que os europeus parecem ainda não ter compreendido, e que os deixa em estado de choque. Trata-se também da maneira democrática de resolver os assuntos, a qual assenta no consentimento e não na imposição.

Os americanos poderiam ter ocupado o Alasca. Mas não, compraram-no à Rússia. Os americanos poderiam ter ocupado a Louisiana. Mas não, compraram-na à França. Os americanos poderiam ter ocupado as  Ilhas Virgens. Mas não, compraram-nas à Dinamarca.

Os americanos poderiam ainda hoje ocupar a Europa depois de a terem libertado na II Guerra Mundial. Mais recentemente, os americanos poderiam estar a ocupar o Iraque ou o Afeganistão. Mas não, os americanos voltaram sempre para casa depois de cumprirem as suas missões nesses lugares.

Não está na natureza da cultura americana apropriar-se pela força de um território e aí permanecer  contra a vontade dos seus habitantes.

Hoje, os americanos falam em comprar a Gronelândia, não em invadi-la. E é muito fácil fazê-lo.

Primeiro, a decisão de vender ou não vender cabe aos próprios groenlandeses em referendo, e não ao governo da Dinamarca, porque o tempo do imperialismo já acabou.

Segundo, os americanos têm um argumento muito poderoso para levar os groenlandeses a votar maciçamente a favor da venda. É fácil aos americanos tornar cada groenlandês um milionário, oferecendo um milhão de dólares a cada habitante (crianças, jovens e velhos incluídos)  se o "Sim"  ganhar no referendo.

A Gronelândia tem cerca de 60 mil habitantes pelo que o custo total da transacção seria de 60 biliões de dólares (utilizo a escala americana em que um bilião é mil milhões e um trilião é mil biliões). Ora, sendo o PIB americano de 30 triliões, isto representa apenas 0,2% do PIB.

Uma bagatela.

Um dia destes o Presidente Trump ainda se lembra de querer comprar os Açores. Possuindo uma população de 240 mil pessoas, ele faria de cada açoriano um milionário com apenas  240 biliões de dólares, ou 0,8% do PIB americano. 

Se a questão se puser, eu não tenho dúvida que a esmagadora maioria dos açorianos votará a favor. Uma cultura, como a portuguesa, que já vendeu lugares no céu mais facilmente vende almas na terra. Ainda por cima àquele preço.

(Continua acolá)

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