(Continuação daqui)
XXVI. Os profissionais da liberdade
Eu estou agora em condições de responder à questão que deixei em aberto num post anterior (cf. aqui), a saber, por que é que os militares, como o Almirante Gouveia e Melo, atribuem tanta importância à Economia na governação de um país.
Para isso vou lançar mão de um post que escrevi em 2007 sob o título "a resistência à opressão" onde cito abundantemente o Catecismo, isto é, a interpretação oficial do cristianismo feita pela Igreja Católica: cf. aqui.
São os militares que possuem a força derradeira por detrás da autoridade do Estado e, neste sentido, eles representam a autoridade suprema do Estado. Eles são formados para defender a independência e a liberdade de todos os portugueses contra qualquer ameaça de opressão externa ou interna.
Por aqui logo se vê que eles são os profissionais da liberdade. Não existe outra profissão cujos membros sejam formados tendo sempre a liberdade em mente, e que estejam mesmo prontos a dar a vida pela liberdade, como os militares. São eles que defendem a liberdade de todos os portugueses contra a opressão de inimigos externos.
E são eles também que defendem a liberdade de todos os portugueses contra a opressão dos seus inimigos internos, incluindo um poder político opressor. É nesta altura que vale a pena voltar a citar o meu post de 2007 e o Catecismo da Igreja Católica (cf. aqui, artº 2242, ênfases meus)
"O cidadão está obrigado em consciência a não seguir as prescrições das autoridades civis, quando tais prescrições são contrárias às exigências da ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho. A recusa de obediência às autoridades civis, quando as suas exigências são contrárias às da recta consciência, encontra a sua justificação na distinção entre o serviço de Deus e o serviço da comunidade política. 'Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus' (Mt 22, 21). 'Deve obedecer-se antes a Deus que aos homens' (Act 5, 29):
"Quando a autoridade pública, excedendo os limites da sua própria competência, oprime os cidadãos, estes não se recusem às exigências objectivas do bem comum; mas é-lhes lícito, dentro dos limites definidos pela lei natural e pelo Evangelho, defender os próprios direitos e os dos seus concidadãos contra o abuso dessa autoridade (GS 74, § 5).
"A resistência à opressão do poder político não recorrerá legitimamente às armas, senão nas seguintes condições: (1) em caso de violações certas, graves e prolongadas dos direitos fundamentais; (2) depois de ter esgotado todos os outros recursos; (3) sem provocar desordens piores; (4) havendo esperança fundada do êxito; (5) e não sendo possível prever razoavelmente soluções melhores".
Na tradição católica, e como o próprio Catecismo prescreve, incumbe aos militares também, sob certas condições, defender os cidadãos contra a opressão do poder político. Sabendo que a liberdade católica consiste precisamente na resistência à opressão, a conclusão a tirar é que, na tradição católica, os militares são formados como libertadores.
Nessa função, o recurso às armas é o último recurso que os próprios militares são relutantes em utilizar porque são eles os primeiros a arriscar a vida, pelo que cabe perguntar se existirá alguma defesa pacífica contra a opressão, alguma solução para garantir a liberdade dos cidadãos sem necessidade do recurso ás armas.
Sim, existem várias, mas a principal é o dinheiro. "O dinheiro é o sinal da liberdade", escreveu Rémy de Gourmont, um poeta e dramaturgo francês. Na realidade, uma pessoa com dinheiro não tem necessidade de se deixar abusar pelo patrão, pelo marido, pelo vizinho, pelo senhorio, pelo credor, pelo próprio Estado (até para emigrar o dinheiro dá jeito). Pega na trouxa e vai-se embora.
É esta a razão porque os militares não só são liberais, como põem a economia em primeiro lugar. Fica entendido, porém, que o liberalismo dos militares se refere à liberdade católica, que é ausência de opressão, e não se confunde com libertinagem, permissividade ou licenciosidade.
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