16 dezembro 2024

Almirante Gouveia e Melo (XXV)

 (Continuação daqui)




XXV. A liberdade católica


Em poucos meses, entre Setembro de 1973 e Abril de 1974, aconteceram duas revoluções de sentido inverso em dois países católicos. Portugal substituiu um regime de inspiração militar por um regime socialista. Meses antes, o Chile substituiu um regime socialista por um regime militar. O crescimento económico baixou drasticamente em Portugal e subiu em flecha no Chile.

A eleição do Almirante Gouveia e Melo para a Presidência da República não vai tornar Portugal um regime militar ao estilo do Chile do General Pinochet. Mas a sua formação e postura de militar podem certamente influenciar a sociedade e a economia portuguesa no mesmo sentido que o General Pinochet, com muito mais poderes, conseguiu definir para o Chile.

Como já tinha acontecido no Portugal de Salazar que, à sua morte, deixou um Estado pequeno a pesar somente 16% no PIB (contra os cerca de 50% actuais) e na Espanha de Franco, o Chile de Pinochet foi uma economia fortemente liberal, que veio substituir a economia socialista de Salvador Allende.

Na realidade, Pinochet chamou os famosos Chicago Boys (economistas chilenos formados na Universidade de Chicago, a meca do liberalismo económico, onde pontificavam  Milton Friedman e Friedrich Hayek) para restaurarem a economia do país, e convidou mesmo Friedman e Hayek para visitarem o Chile e aconselharem sobre o caminho a seguir.

Parecia mais um paradoxo  daqueles em que a cultura católica é tão fértil (cf. aqui), e um paradoxo até hoje nunca resolvido - um regime autoritário a promover o liberalismo económico. Friedman e Hayek  nunca conseguiram explicar o paradoxo (que ocorreu também no Portugal de Salazar e na Espanha de Franco) e morreram sem nunca compreender exactamente aquilo de que eles próprios tinham sido parte.

É isso que me proponho fazer agora, e que se pode resumir assim: 

Enquanto na cultura protestante (que é a cultura dos economistas, cuja ciência nasceu na muito protestante Escócia pela mão do muito protestante-calvinista Adam Smith), a liberdade exige que se tire a autoridade do caminho, na cultura católica a liberdade exige que se ponha a autoridade no caminho. Por outras palavras, na cultura protestante a liberdade exclui a autoridade, ao passo que na cultura católica a autoridade é a condição sine qua non da liberdade.

A Reforma Protestante tirou do caminho a autoridade e o monopólio da Igreja Católica na interpretação das Escrituras deixando o caminho aberto para que cada um interpretasse as Escrituras livremente e escolhesse individualmente o seu caminho para Deus e, mais geralmente, o seu destino de vida. É esta a liberdade protestante, uma liberdade de escolha, que tira a autoridade do caminho.

É diferente na cultura católica. O caminho é comum, e cada pessoa é cooptada para o caminho comum pelo sacramento do baptismo. Ao contrário do protestantismo, no catolicismo não se dá a cada um a liberdade de escolher o seu caminho. Pelo contrário, o caminho é dado a cada um logo após o nascimento, é definido pela comunidade [ecclesia] e imposto pela tradição.

Não custa agora imaginar uma multidão católica - uma cultura que tem uma grande propensão para produzir meninos-mimados, a maioria conseguindo morrer sem nunca deixar de o ser - a percorrer o mesmo caminho em direccão a Deus e ao seu destino comum.

Não vai ser uma caminhada pacífica. Há um mais forte que, pelo caminho, bate no mais fraco, o espertalhão que engana o crédulo, o rapaz que assedia a rapariga, o invejoso que não deixa o inteligente seguir em frente, o safado que passa uma rasteira ao que segue na dianteira. Nada disto acontece entre os protestantes porque a caminhada é feita a solo. Ninguém incomoda ninguém.

Na caminhada da comunidade católica é necessária uma autoridade que proteja os mais fracos e vulneráveis da opressão dos mais fortes e poderosos. Sem essa autoridade, a liberdade é uma fonte de opressão de uns sobre os outros. 

Na Igreja Católica, essa autoridade pertence, em última instância, ao Papa, uma palavra que significa Pai. É essa também a função do pai de família. É a autoridade do pai de família que assegura a liberdade de todos os seus filhos, caso contrário, os mais velhos passariam o tempo a oprimir os mais novos.

Resulta daqui que, se a liberdade protestante tem o sentido de liberdade de escolha, a liberdade católica tem o sentido de libertação (da opressão), e essa liberdade da opressão só a autoridade consegue assegurar.

O paradoxo está, portanto, explicado. Na cultura católica só existe liberdade sob a autoridade, e é por isso que os regimes de Salazar, Franco e Pinochet, com a sua autoridade e o seu liberalismo, produziram verdadeiros milagres económicos nos seus respectivos países. 

O Almirante Gouveia e Melo na Presidência da República pode ser a inspiração para que o milagre se repita de novo em Portugal, depois dos últimos 25 anos de um autêntico marasmo económico.

(Continua acolá)

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