(Continuação daqui)
XXII. Um libertador
Foi o economista norte-americano Gary Becker (Prémio Nobel, 1992, cf. aqui) que introduziu o tema da Família no âmbito da investigação económica. Ele é também o autor do célebre Teorema do Menino Mimado ou, no original americano, The Rotten Kid Theorem (cf. aqui).
Proponho-me agora começar a responder à questão que coloquei no último post, a questão de saber como é uma família de meninos mimados quando os pais foram postos fora de de casa.
Noutro lugar, descrevi as características do menino mimado,
"O menino-mimado é um egoísta radical. Ele não gosta de ninguém, excepto de si próprio. Ele não mexe uma palha na vida, excepto se daí esperar retirar um benefício pessoal. Não existe nele uma ponta de altruísmo. Para ele, todos os meios justificam os fins, desde que conduzam à gratificação do seu ego. Ele invoca as leis básicas da moralidade quando elas o beneficiam, mas recusa-se a cumpri-las quando elas beneficiam os outros. Na sua visão, a vida é uma rua de um só sentido. Os motivos que o gratificam são frequentemente irracionais, meros caprichos, devaneios e fantasias. Quando contrariado, ele reage sempre de forma intempestiva - esperneia, faz birras, insulta, vinga-se" (cf. aqui).
Mas a principal característica do menino mimado, e aquela que resume todas as outras, é o seu gosto e o seu hábito de viver à custa dos outros.
Por isso, no momento em que os pais são postos fora de casa, os meninos mimados a primeira coisa que fazem é envolverem-se numa grande luta pelo poder afim de controlar o património da família que eles passarão a distribuir em substituição dos pais, cada um na expectativa de reservar uma fatia maior para si.
Na ausência do pai, que garantia a autoridade, e da mãe, que assegurava o sentido de comunidade, esta luta não conhece regras, vale tudo, e em breve os manos se vão organizar em grupos concorrentes (as "capoeiras", nas palavras do Almirante Gouveia e Melo), que acabarão a odiar-se entre si, para mais eficazmente deitarem a mão ao pote.
É uma guerra sem quartel onde a força e a esperteza acabarão por prevalecer sobre a justiça e a honestidade: os mais velhos a submeterem os mais novos, os rapazes a humilharem as raparigas, os mais fortes a vergarem os mais fracos, o chico-esperto a enganar o irmão honesto.
Habituados a tudo irem buscar ao frigorífico sem nunca se preocuparem em pôr lá alguma coisa, em breve o património familiar começa a diminuir e a família a empobrecer, o que só torna a luta pelo poder - que é, em última instância, uma luta pelo controlo do património comum - ainda mais feroz
No fim, uma casta de meninos mimados que nunca fez nada na vida excepto política, que é nisso que consiste a luta pelo poder, domina a família e controla o património familiar. Apropria-se de um quinhão desmesurado da riqueza comum, faz regras que a beneficiam a si própria, serve-se a si própria em lugar de servir a família, despreza os irmãos que não têm poder, agora obrigados a trabalhar como quaisquer pessoas decentes para se sustentarem a si próprios e à casta (*).
O sentimento de opressão vai inevitavelmente surgir nesta família e partirá daqueles que só contribuem para o património comum, e nada recebem. São estes que vão clamar por um Pai que venha restabelecer a autoridade e repôr a justiça na família.
Esta figura de autoridade aparecerá como um libertador. Será ele que libertará a família da opressão que sobre ela é exercida pela casta dos meninos mimados, pondo em evidência uma diferença essencial entre a concepção protestante de liberdade e a concepção católica.
Para os protestantes, a liberdade é uma liberdade de escolha, em primeiro lugar dos caminhos para chegar a Deus. Na tradição católica só existe um caminho para Deus, que é definido pela Igreja (comunidade), imposto pela tradição e igual para todos.
Para o povo católico a liberdade tem um significado diferente. É libertação da opressão, é liberdade em relação àqueles que o abusam e o oprimem.
É isso que o povo português espera do Almirante Gouveia e Melo.
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(*) "a casta" é o título do post que internacionalizou este blogue levando-o até ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em Estrasburgo: cf. aqui
(Continua acolá)
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