(Continuação daqui)
63. A internacionalização do Portugal Contemporâneo
Em 1978, numa idade ainda formativa, eu fui viver para um país que tinha nascido democrático, filho da pátria da democracia e do liberalismo, e que ainda hoje tem como chefe de Estado o rei de Inglaterra.
Eu ia de um país que fizera uma revolução democrática há quatro anos e que vivia tempos de uma enorme turbulência - o PREC. Tinha sido educado e tinha crescido até aos 20 anos nesse país onde a liberdade de expressão estava seriamente restringida.
Nos primeiros tempos, eu devo ter feito uma grande figura de provinciano mas, como genuíno português, rapidamente me adaptei e fiquei rendido às maravilhas do liberalismo político e económico que encontrei. A liberdade de expressão vigente no Canadá foi um dos valores que mais me impressionou.
Quando regressei a Portugal e à Europa em 1986, uma das minhas primeiras prioridades foi visitar a pátria do liberalismo e, em Londres, ir apreciar o Speakers' Corner que em criança, na escola, eu já tinha ouvido falar como sendo um dos símbolos da liberdade de expressão britânica.
Foi uma decepção. Estava um tipo a falar sozinho, olhos fixos no ar, aos berros, enquanto meia dúzia de turistas como eu contemplavam o espectáculo. Seguiu-se outro do mesmo género e ainda outro. Concluí que ao Speakers' Corner iam falar uns malucos que tinham toda a liberdade para dizer o que queriam. O problema deles é que não tinham nada para dizer.
Mas não desanimei na minha crença irrestrita na liberdade de expressão e, a convite do meu amigo Rui Albuquerque - que tem uma grande propensão para me meter em sarilhos - aceitei escrever para blogues que eram totalmente abertos, primeiro o Blasfémias e depois o Portugal Contemporâneo, que ele próprio fundou.
À medida que o tempo foi passando fui-me dando conta que a esmagadora maioria dos comentadores que apareciam nas caixas de comentários eram como os malucos de Londres, com uma agravante, eles cresceram num país que não só nunca defendeu a liberdade de expressão como historicamente foi um dos seus principais inimigos, e nunca tinham vivido fora dele.
Eles tinham toda a liberdade para se exprimir só que não tinham nada para exprimir. Primeiro, restringi o acesso às caixas de comentários dos meus posts e depois, pura e simplesmente, suprimi-o.
Por ironia do destino, foi um post ainda do período em que o Portugal Contemporâneo era um blogue totalmente aberto que o internacionalizou, levando-o ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em Estrasburgo, França.
Foi obra do Papá Encarnação que juntou ao processo um post que tem o título "a casta" (cf. aqui). O objectivo do Papá Encarnação ao levar o post para a sala do Tribunal de Matosinhos era duplo. Primeiro, mostrar ao juiz que eu era um difamador obsessivo, que até me gabava das ofensas que cometia na televisão sobre o Paulo Rangel. Segundo, remetendo para a caixa de comentários, eu era verdadeiramente aquilo que um comentador anónimo lá dizia de mim.
Porém, no TEDH o post é bem capaz de ter sido interpretado ao contrário. Assim:
-Este Arroja é um verdadeiro paladino da liberdade de expressão. Não só casca no Rangel com toda a valentia, como ele próprio aguenta virilmente as ofensas que cometem sobre ele, sem pestanejar ou ir fazer queixinhas à justiça.
Talvez por isso, os sete juízes tenham decidido unanimemente a meu favor e da liberdade de expressão (cf. aqui).
(Continua acolá)
Sem comentários:
Enviar um comentário