(Continuação daqui)
XXI. A moldagem psicológica do campo de batalha
Não existe, nem nunca existiu, sociedade humana, país ou civilização sem Deus. Algumas civilizações tiveram vários deuses, outras tiveram só um, como a cristã, mas aquilo que não se conhece é uma civilização ateia.
Por isso, a ideia que as pessoas fazem de Deus e do caminho para chegar a Ele é o factor mais determinante da cultura de um povo. Por duas vezes, na sua palestra recente na Gulbenkian, o Almirante Gouveia e Melo se refere a Deus (cf. aqui) parecendo óbvio que se está a referir ao Deus cristão e católico.
No catolicismo chega-se a Deus através da autoridade (da Igreja), por isso o valor da autoridade é sagrado nesta cultura. Pelo contrário, no protestantismo chega-se a Deus através da liberdade (de interpretação das Escrituras), pelo que a liberdade é um valor sagrado para o protestantismo.
Aquilo que a Revolução de Abril veio fazer foi substituir a autoridade do Estado Novo, personalizada em Salazar e depois em Marcelo Caetano, pela liberdade que é característica de um regime de democracia liberal.
Mas além desta ruptura, a Revolução de Abril produziu outras rupturas, como a que descrevo a seguir.
Na religião católica chega-se a Deus em comunhão, através da Igreja (do grego ecclesia: comunidade), o caminho é comum e igual para todos. Daí que o comunitarismo, ou sentimento de comunidade, seja um valor também sagrado para o catolicismo. No protestantismo é diferente, os protestantes chegam a Deus individualmente. O correspondente valor sagrado para o protestantismo é o individualismo.
No Estado Novo, o sentimento de comunidade que unia os portugueses era largamente assegurado pela Igreja Católica, a figura teológica de Maria, a Mulher e a Mãe. Como enfatizou o próprio Salazar:
“A adesão da generalidade das consciências aos princípios de uma única religião e aos ditames de uma única moral (a Católica) foi, através dos séculos, um dos mais poderosos factores de unidade e coesão da Nação Portuguesa”.
Quer dizer, na comunidade ou família portuguesa, muito propensa a produzir meninos mimados (cf. aqui), que tinha uma autoridade, um Pai ou um "Papa", na figura de Salazar e depois Marcelo Caetano, a Revolução de Abril veio acabar com a autoridade do Pai, substituindo-a pela liberdade, e afugentar a mãe, a Igreja Católica.
A questão importante para a "moldagem psicológica do campo de batalha" que o Almirante Gouveia e Melo vai ter de enfrentar é, portanto, a seguinte.
-Como é que se comporta uma família de meninos mimados em que o pai (a figura de autoridade) e a mãe (a figura de comunidade) foram postos fora de casa?
(Continua acolá)
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