05 outubro 2024

A Decisão do TEDH (369)

 (Continuação daqui)

Papa Pio IX


369. Senão mesmo um inimigo


Alguns dias depois de ter tomado conhecimento da minha condenação no Tribunal da Relação do Porto, de que foi relator o juiz Pedro Vaz Patto,  ainda a convalescer de uma operação ao coração, escrevi assim neste blogue (cf. aqui):

À medida que, ao longo dos últimos dias, procurei conhecer o pensamento do juiz-desembargador Pedro Vaz Patto, através de vários artigos disponíveis na internet, aquilo que de forma recorrente mais me ocorreu ao espírito foi um documento datado de 1864, da autoria do Papa Pio IX, e que vinha em anexo à sua encíclica Quanta Cura.

Trata-se do célebre Syllabus dos Erros.

Este documento contém 80 proposições ou teses que são consideradas falsas pela Igreja (cf. aqui).

As mais interessantes são as quatro últimas (77-80) e, dentre estas, as duas últimas. A proposição 79ª é uma condenação da liberdade de expressão e pensamento, e a proposição 80ª é uma condenação radical do progresso, do liberalismo e da civilização moderna.

Nas mãos dos inimigos da Igreja, este documento permanece até hoje o exemplo acabado do obscurantismo da Igreja Católica e dos países sujeitos à sua influência cultural, como é notoriamente o caso de Portugal.

Numa altura em que os valores liberais - como a liberdade de expressão e pensamento, a liberdade religiosa e a liberdade política - triunfavam no norte da Europa e na América do Norte, lançando as bases para os extraordinários ganhos civilizacionais de que hoje desfrutamos (económicos, científicos, institucionais, etc.),  a Igreja reagia com a mais vil condenação desses princípios, deixando os países sujeitos à sua influência secular, como era notoriamente o caso de Portugal, parados no passado.

Na célebre proposição 79ª do Syllabus dos Erros (um conjunto de 80 proposições que a Igreja condenava como Erros), a Igreja considerava ser um erro dizer-se que:

79º É falso que a liberdade civil de todos os cultos e o pleno poder concedido a todos de manifestarem clara e publicamente as suas opiniões e pensamentos produza corrupção dos costumes e dos espíritos dos povos, como contribua para a propagação da peste do Indiferentismo. (cf. aqui)

Numa só frase, a Igreja Católica produz a mais radical e explícita condenação da  liberdade de expressão e pensamento.

Poucos anos depois, produzir-se-ia aquela que ficou para a história como uma das mais virulentas manifestações da cultura católica portuguesa contra a liberdade de expressão - o encerramento compulsivo das Conferências do Casino ditado pelo Governo do Duque de Ávila (cf. aqui).  

Cento e cinquenta anos depois, eu sinto-me como o Antero de Quental, o Oliveira Martins (cujo livro principal dá o nome a este blogue) ou o Eça de Queirós, na realidade, um pouco pior, porque a eles apenas os impediram de falar, ao passo que eu fui considerado um criminoso por um Gang ligado à Igreja Católica (cf. aqui), e de que o juiz Vaz Patto, ele próprio dirigente da Igreja, é o protagonista principal. 

Desde que fui acusado - um momento que também deixei registado neste blogue (cf. aqui) -, que eu ainda não consegui digerir esta injustiça que é, na realidade, uma violência. Se não fosse o TEDH e a sua Decisão Almeida Arroja v. Portugal  - um recurso que os homens da geração de 70 não possuíam - eu já teria sido induzido a emigrar, ou passaria o resto dos meus dias em Portugal com medo de tudo o que pudesse dizer em público porque, depois de ter sido condenado por dois crimes de ofensas, ao terceiro, a pena não seria certamente de multa - seria de prisão. 

O acórdão do Tribunal da Relação do Porto foi isso mesmo - um acto de terrorismo institucional destinado a causar medo.

A Igreja Católica ganhou um adversário, senão mesmo um inimigo.

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