(Continuação daqui)
356. A matéria-prima
A principal reforma que houve na história da nossa civilização foi a Reforma Protestante do século XVI, que teve como alvo a Igreja Católica. Nesse embate cultural decisivo, entre os adversários da Igreja e os seus adeptos, Portugal ficou do lado da Igreja, do lado da chamada Contra-Reforma.
A ideia de reforma não faz parte da cultura católica dos portugueses, o ajustamento gradual das instituições às novas realidades da vida. Não. Os portugueses são especialistas é em contra-reforma, em boicotar reformas.
Então, como é que as instituições mudam em Portugal?
De supetão. Durante anos, os portugueses identificam o problema e ficam a olhar para ele, como que a contemplá-lo sem nada fazer, alargando, até ao desespero, o fosso que separa a instituição velha e caduca das novas realidades da vida.
Até que um dia, às vezes sem que ninguém consiga prever, muda tudo drasticamente e num mero instante.
Parece estar a acontecer isso com a justiça, e com a instituição mais carecida de mudança no sector da Justiça - o Ministério Público.
Esta semana foi anunciado que o Conselho Superior do Ministério Público decidiu mandar fazer uma inspecção extraordinária a quatro DIAP's regionais (Lisboa, Porto, Coimbra e Évora) e ao DIAP central, o DCIAP (cf. aqui).
Eu espero que este seja o primeiro passo para acabar com estes tenebrosos departamentos do Ministério Público, os mais representativos da velha Inquisição.
Se me pedissem uma curta definição para os DIAP's e, mais ainda, para a sua sede central em Lisboa (DCIAP), eu escreveria: "São fábricas de criminosos utilizando como matéria-prima pessoas inocentes".
Quer ver um exemplo?
O meu processo judicial, que culminou na Decisão do TEDH Almeida Arroja v. Portugal nunca teria visto a luz do dia se a queixa do Rangel e da Cuatrecasas não tivesse sido aceite e validada pelo DIAP do Porto (por extenso: Departamento de Investigação e Acção Penal), na altura dirigido pelo magistrado António Vasco Guimarães (o qual viria a servir de inspiração à figura do magistrado Toni Guimarães na novela judicial "O Juiz-Pistoleiro": cf. aqui).
Como o instrumento dos meus crimes foi um comentário televisivo no Porto Canal, e que ainda hoje está na internet (cf. aqui), os laboriosos e altamente especializados trabalhos de investigação criminal realizados pelos magistrados do DIAP-Porto consistiram em - confortavelmente sentados nos seus sofás ou nas cadeiras das suas secretárias -, perscrutar, frase a frase, palavra a palavra, os crimes que eu ia cometendo à medida que o comentário ia avançando.
Imagino a reacção inicial das magistradas presentes: "Olha, o Arroja... todo bonito...bronzeadinho... que criminoso mais janota...onde é que ele terá ido arranjar a pasta para ir de férias à Grécia... será que anda a lavar dinheiro!?..."
Ao fim de quinze minutos, que é quanto dura o comentário, os sete magistrados do Ministério Público ali presentes, dos quais quatro mulheres, tinham descoberto dois crimes e ainda indícios de outros trinta e sete.
Vai ser uma grande perda para o país quando esta cangalhada fechar.
(Continua acolá)
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