(Continuação daqui)
357. Premonitório
Eu tive de esperar tanto pela Decisão do TEDH para que se começasse a fazer justiça que fui ocupando o meu tempo a analisar como funciona o sistema de justiça em Portugal. Em particular, eu sentia-me perseguido, através do sistema de justiça, por uma facção do PSD com raízes no Departamento de Direito da Universidade Católica do Porto (cf. aqui e aqui) e fui à procura de factos que pudessem confirmar ou infirmar essa tese.
Não fiquei nada animado com as conclusões a que fui chegando, o Ministério Público estava nas mãos do PSD.
Eis um post que escrevi em Janeiro de 2021 com o título "O corta fitas". Hoje, à distância de quase quatro anos, eu diria que foi um post premonitório (cf. aqui).
Reproduzo na íntegra:
No tempo do Estado Novo, a sede da polícia política estava na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa. Quando se ouvia dizer que alguém ia à António Maria Cardoso era muito mau sinal - era sinal de que ou trabalhava para a polícia política ou de que tinha caído nas suas garras.
Eu tinha 20 anos quando o Estado Novo caiu. Não me lembro de o Presidente da República, Américo Tomás, "O corta-fitas", alguma vez ter visitado a sede da polícia política.
Agora, em democracia, a sede da polícia política está na rua Gomes Freire, também em Lisboa (cf. aqui). Durante o seu mandato, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, "O beijoqueiro", visitou duas vezes a sede da polícia política.
É tempo de perguntar porquê.
A primeira visita foi logo em Setembro de 2016, tinha sido eleito há uns meros seis meses. Porquê tanta pressa?
Para "ver as condições e dar estímulo ao DCIAP" (cf. aqui).
José Sócrates é que não deixou passar o acontecimento em branco (cf. aqui)
É neste ponto que vale a pena fazer um pouco de história. O PS saiu do poder em 2011, entrando o PSD. Em breve o PSD começaria a pôr os seus homens e mulheres-de-mão à frente do Ministério Público e dos seus vários departamentos.
Em Setembro de 2012, para o DIAP-Porto, a sucursal regional do norte da polícia política, é nomeado o procurador António Vasco Guimarães (cf. aqui).
Poucos meses depois, em Fevereiro de 2013 é nomeado para director do DCIAP, a sede da polícia política, o procurador Amadeu Guerra (cf. aqui).
A nomeação mais importante acontece poucos meses a seguir, em Outubro de 2013, quando se esgota o mandato do anterior Procurador Geral da República, Pinto Monteiro (PS), e é nomeada a nova PGR, Joana Marques Vidal (cf. aqui).
No início de 2014, o PSD tinha os seus homens e mulheres-de-mão nos lugares mais importantes do Ministério Público e é nessa altura que é desencadeada a Operação Marquês contra José Sócrates.
Esta Operação viria a pôr fim à carreira política do antigo primeiro-ministro e a retirar-lhe qualquer possibilidade de vir a candidatar-se às eleições presidenciais que estavam, então, a dois anos de distância.
Portanto, em 2016, pouco depois de ser eleito, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa foi à sede da polícia política agradecer ao seu director Amadeu Guerra e à sua equipa de "investigadores criminais" terem-lhe tirado da frente aquele que se perfilava como o seu principal opositor nas eleições presidenciais.
Marcelo Rebelo de Sousa, Joana Marques Vidal e Amadeu Guerra têm mais em comum do que a sua pertença ao PSD. Eles pertencem todos também à Faculdade de Direito de Lisboa, sua alma mater, onde o Presidente Marcelo terá sido professor dos outros dois e terá sobre eles alguma forma de autoridade ou influência.
Em 2018 esgota-se o mandato de Joana Marques Vidal à frente do Ministério Público quando o Governo já era de novo PS. Apesar de o PSD e o próprio Presidente se terem batido pela renovação do seu mandato, o Governo, como é compreensível, não lhes fez a vontade, e nomeou Lucília Gago, o que só em parte terá desagradado ao Presidente porque ela também vinha da Faculdade de Direito de Lisboa.
À frente da sede operacional da polícia política aproximava-se, entretanto, o termo do segundo mandato de Amadeu Guerra, que teria lugar em 2019. E é nessa altura que o Presidente Marcelo faz uma segunda visita à sede da polícia política para ver se consegue a renovação do mandato do seu discípulo. (O Governo, outra vez, acabaria por não lhe fazer a vontade, nomeando Albano Pinto, da Faculdade de Direito de Coimbra, cf. aqui).
À saída da visita, o Presidente falou para a SIC, tendo atrás de si um batalhão de discípulos da Faculdade de Direito de Lisboa - a ministra da Justiça, Francisca van Dunem, a nova PGR, Lucília Gago, e o director do DCIAP, Amadeu Guerra, estes dois últimos a esconderem-se das câmaras, como é normal fazerem os procuradores do Ministério Público (cf. aqui).
Na sua intervenção, o Presidente fez o elogio do trabalho do procurador Amadeu Guerra à frente do DCIAP e notou que, desta vez, as prateleiras estavam com bastante menos volumes do que da primeira visita em 2016. Aquilo que pretendeu dizer é que a acusação da Operação Marquês já tinha sido produzida e que o processo já tinha saído do DCIAP, deixando as prateleiras vazias.
A conclusão a tirar também é a de que, até então, o DCIAP tinha andado a "trabalhar" quase exclusivamente na Operação Marquês para "matar" politicamente José Sócrates. Era um departamento do Estado a "trabalhar" contra um homem só. O próprio José Sócrates já tinha baptizado o DCIAP de "departamento especial de caça ao homem" (cf. aqui).
Foi, portanto, primeiro, para agradecer à polícia política o trabalho que tinha feito para lhe tirar da frente o seu principal opositor; e depois, para tentar manter o seu discípulo Amadeu Guerra a chefiá-la por mais um mandato - não fosse a polícia política um dia vir a atirar-se a ele -, que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, "O beijoqueiro", visitou duas vezes a sede da polícia política durante o seu mandato.
O Presidente Américo Tomás, "O corta-fitas", teria corado de vergonha.
Fonte: cf. aqui.
(Continua acolá)
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