28 setembro 2024

A Decisão do TEDH (358)

 (Continuação daqui)



358. Bestialidade judicial

Um factor determinante da animosidade do Ministério Público contra mim, e que alimentou a acusação criminal que agora desembocou na Decisão do TEDH, foi uma série de comentários contundentes que eu fiz ao Ministério Público e ao juiz Carlos Alexandre no Porto Canal logo após a detenção de José Sócrates em Novembro de 2014, e que se prolongaram por vários meses.

Um excerto do primeiro desses comentários ainda se encontra na internet: cf. aqui.

A Operação Marquês continua a ser aos meus olhos - hoje por maioria de razões - a maior vergonha da justiça  democrática em Portugal. Nenhuma outra é tão parecida com os processos da Inquisição de triste memória, como ela. Só uma opinião pública herdeira da tradição inquisitorial  podia aceitar uma bestialidade judicial daquelas e, em muitos casos, até aplaudi-la.

Um ex-primeiro-ministro, duas vezes eleito democraticamente pelo povo português, uma delas com maioria absoluta era escorraçado e humilhado em público, a sua vida pessoal e política arruinada, a sua intimidade devassada, até ao ponto de ser preso sem nunca ter sido julgado.

À distância de dez anos o horror parece-me ainda maior. Se as provas obtidas pelo Ministério Público fossem sólidas, o caso há muito teria chegado a julgamento. Tratou-se de um caso típico de perseguição pessoal e política. Comparado com este caso, o meu, embora possuindo a mesma natureza persecutória por parte do Ministério Público, parece uma brincadeira. 

Quando José Sócrates puder recorrer para o TEDH, o Estado português será de certeza condenado à luz do artº 6º da CEDH (Direito a um processo equitativo) que exige que a justiça seja feita num "prazo razoável", o qual, na jurisprudência do TEDH, é de quatro anos. Ora, já passaram dez anos e nem sequer julgamento ainda houve. (Só é possível recorrer para o TEDH após sentença transitada em julgado nos tribunais nacionais)

O principal responsável por esta bestialidade judicial é o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), na altura dirigido pelo magistrado Amadeu Guerra, que havia sido nomeado para o lugar um ano antes por um governo do PSD/CDS. É o magistrado Amadeu Guerra que está agora indicado pelo governo do PSD/CDS para Procurador-Geral da República, o próximo chefe do Ministério Público.

Por causa do seu historial dos últimos anos, incluindo a Operação Marquês e a destruição de governos democraticamente eleitos, o Ministério Público tem estado, recentemente, sob duras críticas públicas. A pergunta que se coloca é a seguinte:

-Será que o magistrado Amadeu Guerra, que é um homem da corporação, tendo feito uma carreira de 40 anos no Ministério Público, seis dos quais à frente do mais inquisitorial dos seus departamentos (DCIAP), é o homem certo para - aos 70 anos de idade, reformado há quatro anos e já sem ritmo de trabalho, com um mandato de seis anos pela frente, que o levará até à provecta idade de 76 anos -, transformar o Ministério Público de uma instituição anti-democrática e medieval numa instituição democrática e moderna?

Eu não acredito.

Seria a minha última escolha para o lugar. 

(Continua acolá)

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