(Continuação daqui)
225. Uma história
O Estatuto da Ordem dos Advogados permite à Ordem abrigar no seu seio os profissionais mais decentes e também os maiores criminosos - burlões, chantagistas, abusadores de confiança, extorsionários, violadores de privacidade, etc. Como já referi noutra altura, esse Estatuto, no caso das sociedades de advogados, torna estas sociedades o veículo ideal para a prática da criminalidade económico-financeira, como a lavagem de dinheiro, a fuga ao fisco ou o financiamento ilegal dos partidos.
O problema é que o crime, sendo uma violação das regras, dá uma vantagem competitiva aos criminosos sobre os seus colegas decentes. E estes, a prazo, por mera necessidade de sobrevivência, vão ser obrigados a imitar os criminosos sob pena de, não o fazendo, irem à falência.
O Estatuto da Ordem proíbe os advogados de se denunciarem uns aos outros (cf. aqui, artº 112º) e os processos disciplinares são secretos (sic) até ser produzida uma acusação (artº 125º), mais duas manifestações - a principal é o sigilo profissional (artº 92º) -, do código de silêncio ou omertà que caracteriza as associações criminosas.
A verdade é que raramente são produzidas acusações e a esmagadora maioria das queixas sobre advogados que chegam à Ordem permanecem secretas para sempre, deixando a população na ignorância acerca da idoneidade dos advogados que oferecem os seus serviços no país.
As únicas acusações que são tornadas públicas são aquelas que não possuem nenhuma utilidade pública, como aquela em que recentemente a Ordem expulsou, com grande fanfarra, dois advogados que estão presos há sete anos, a cumprir penas de 25 anos, por terem assassinado um empresário de Braga e diluído o seu corpo em ácido sulfúrico. Ainda assim a Ordem deixou que, durante sete anos, eles praticassem a advocacia a partir da prisão (cf. aqui).
Quanto às queixas referentes a advogados que o público teria interesse em conhecer para evitar recorrer aos seus serviços, e ser enganado por eles, essas arrastam-se na Ordem e nunca vêem a luz do dia. A razão é que no dia em que a Ordem começar a punir publicamente advogados no activo, eles começam a denunciar os outros colegas e a Ordem torna-se uma desordem, implodindo.
É curioso que no site da Ordem a página reservada às queixas não funciona. E se o backlog de queixas na Ordem há três anos era de 50 mil, hoje deve ser muito maior. A razão, não é demais repetir, é que a Ordem não tem interesse nenhum em processar queixas e punir publicamente os seus membros porque isso levaria à violação do código de silêncio ou omertà que caracteriza as associações criminosas e que é condição sine qua non da sua sobrevivência.
A este respeito, acabei de descobrir uma história muito interessante. Em 2008 um tribunal português fez queixa de um advogado à Ordem. A Ordem abriu um processo disciplinar contra o advogado, mas demorou tanto tempo que o deixou prescrever. O advogado foi ilibado, não porque se tivesse provado a sua inocência, mas porque o processo prescreveu.
O mais interessante vem a seguir. Argumentando que não existe em Portugal tribunal ao qual um cidadão se possa queixar das demoras na justiça, o advogado recorreu para o TEDH ao abrigo do artº 6º da CEDH que estipula que a justiça deve ser feita numa prazo razoável. Queixou-se que o processo na Ordem demorou muito tempo e que isso o prejudicou profissionalmente. O TEDH deu-lhe razão e obrigou o Estado português a indemnizá-lo em 3250 euros mais 500 euros em despesas.
Quer dizer, a demora [na minha opinião, propositada: cf. acima] que conduziu à prescrição que o ilibou, foi precisamente o argumento que o advogado utilizou para se dizer prejudicado. No fim, não só o advogado não foi punido pela Ordem como os contribuintes portugueses ainda foram chamados a indemnizá-lo.
Trata-se do Processo nº 78165/12, Case of Ferreira Alves v. Portugal (cf. aqui)
(Continua acolá)
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