01 maio 2024

A Decisão do TEDH (143)

 (Continuação daqui)

Fernanda de Almeida Pinheiro, Bastonária, e Paulo Sá e Cunha, Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados


143. Uma Ordem generosa


A queixa foi apresentada por três advogados da Cuatrecasas, Paulo Rangel, em nome individual e como director do escritório do Porto da sociedade, Filipe Avides Moreira, que lhe sucedeu na direcção, e Vasco Moura Ramos. 

Os crimes eram dois, o de difamação agravada ao director da sociedade e de ofensa à própria sociedade.

Acabei condenado nos tribunais portugueses pelos dois crimes.

Mas o TEDH, numa decisão unânime de sete juízes (vale a pena repetir: "unânime de sete juízes"), diz que eu não cometi crime nenhum, apenas exerci o meu direito democrático à liberdade de expressão (cf. aqui).

Naturalmente, queixei-me à Ordem dos Advogados (cf. aqui). Eu punha à Ordem uma questão em aberto, deixando que ela própria se pronunciasse se havia ou não razão para agir.

Na minha opinião, havia e não era pouca. 

Embora eu considerasse que tinha havido crime, uma acção concertada para me condenar, um complot mafioso arquitectado pela Cuatrecasas - baseando-me no velho adágio popular "Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és" (cf. aqui) - infracção disciplinar, na forma de grossa incompetência, pelo menos isso, de certeza, havia.

Compete à Ordem garantir  a qualidade dos serviços de advocacia prestados aos cidadãos - que é para isso que o Estado português lhe defere parte do seu poder soberano -, o que ela faz, designadamente, através dos célebres "Exames à Ordem" que, todos os anos, negam o exercício da advocacia a milhares de jovens licenciados em Direito, alegadamente por serem muito exigentes.

Aconteceu, porém, que dos três advogados da Cuatrecasas que me acusaram, cujo número aumentou para cinco durante o julgamento (cf. aqui), aparentemente nenhum deles conhecia a jurisprudência relativa ao conflito entre o direito à liberdade de expressão e o direito à honra. Eles insistiam que havia crime e até eu, que sou economista, desde o início disse que não havia crime nenhum, que era um caso-de-escola de mero exercício da liberdade de expressão (cf. aqui), uma certeza que reiterei nas vésperas da decisão do TEDH (cf. aqui). 

O TEDH deu-me razão - e não me canso de repetir - deu-me razão por unanimidade de sete juízes. Era eu que sabia de Direito e eles não sabiam nada, e nem sequer alguma vez passei o "Exame à Ordem".

Perante isto, a Ordem respondeu-me que fosse contratar um advogado (cf. aqui).

Ora, eu nunca tive dúvidas que a Ordem não tinha poderes criminais sobre os seus membros, agora poderes disciplinares eu tinha a certeza que possuía. Como se comprovou esta semana, e é uma das notícias do dia:

"Advogados da Máfia de Braga expulsos da Ordem após crime macabro" (cf. aqui).

A Ordem dos Advogados, através do seu órgão máximo de disciplina - o Conselho Superior -, que é presidido por um advogado posto lá pela Cuatrecasas (cf. aqui), decidiu agora expulsar dois advogado-homicidas condenados em 2017 à pena máxima de 25 anos de prisão efectiva por terem assassinado um empresário de Braga cujo corpo diluíram depois em ácido sulfúrico.

É importante notar este detalhe, e não é o do ácido sulfúrico: os advogados estão na prisão desde 2017 e a Ordem expulsou-os agora, embora não de qualquer maneira - mas oficialmente através do um edital, quer dizer, com toda a pompa e cumprindo todas as formalidades legais.

Eu nunca vi Ordem de Advogados tão generosa como esta. Permite até a dois refinados e consumados criminosos  praticarem a advocacia durante sete anos a partir da prisão.

Imagina-se quantos andarão por aí à solta. 

(Continua acolá)

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