09 maio 2024

A Decisão do TEDH (161)

 (Continuação daqui)

Sede da Cuatrecasas em Madrid


161. Deve procurar uma sociedade de advogados

Sete juízes de sete países diferentes, alguns oriundos de países sem qualquer tradição de liberdade de expressão, como Portugal, não viram crime nenhum contra a Cuatrecasas, mas apenas liberdade de expressão (cf. aqui). Porém, o Tribunal de Matosinhos viu crime contra a Cuatrecasas (embora não contra o Rangel) e o Tribunal da Relação do Porto voltou a ver crime contra a Cuatrecasas (e agora, também contra o Rangel).

É muito tribunal a ver crime contra a Cuatrecasas onde sete juízes do TEDH não viram nada.

Será que os juízes portugueses estavam com visões? E os magistrados do Ministério Público também?

É na procura de resposta a esta questão que eu vou prolongar esta série de posts, não sei se algum dia chegarei ao número mil.

Para já, interessa-me fazer uma constatação e começar a responder a uma questão. A constatação é a de que são cada vez mais as vozes que associam a palavra máfia à Cuatrecasas. Quanto à questão, é a seguinte:

-Será que a Cuatrecasas merece ser tratada assim, como uma instituição mafiosa? 

A mesma questão vale para as suas congéneres.

O estatuto das sociedades de advogados diz que estas sociedades não estão sujeitas ao Código das Sociedades Comerciais. A este Código submetem-se todas as sociedades do país que vendem algum bem ou serviço, mas as sociedades de advogados não vendem coisa nenhuma. Fazem justiça. Daí a excepção (cf. aqui).

Escusado será dizer que as grandes sociedades de advogados também não estão sujeitas às leis financeiras do país, embora o grosso da sua actividade seja de natureza financeira. Não estão sujeitas às leis financeiras nem às autoridades de supervisão a que estão sujeitas as sociedades financeiras, incluindo os bancos - Banco de Portugal, CMVM e, no caso das seguradoras, o Instituto de Seguros de Portugal. A razão é que elas não fazem actividade financeira. Fazem justiça.

As sociedades de advogados não apenas estão isentas das leis que regem a actividade comercial e financeira do país,  como se regem disciplinarmente pelo Estatuto da Ordem dos Advogados (cf. aqui, artº 212-A). Quer dizer, um Estatuto e uma Ordem que foram concebidos para defender a advocacia, enquanto profissão de prática individual e liberal, é agora estendido a grandes corporações capitalistas que se dedicam à actividade comercial (v.g., vendendo serviços de assessoria jurídica e fiscal) e financeira (v.g., intermediando grandes operações financeiras, como a aquisição e a fusão de grandes empresas).

Uma das joias desse Estatuto é o sigilo profissional (cf. aqui, artº 92º) que permite às sociedades de advogados fazerem sob segredo profissional aquilo que qualquer empresa financeira, incluindo os bancos, é obrigada a fazer com total transparência, e a reportar as operações suspeitas às entidades de supervisão e ao Ministério Público.

É altura de perguntar:

-Não estando as sociedades de advogados sujeitas às leis comerciais e financeiras do país e gozando de um estatuto especial de liberdade e de opacidade, será que elas vivem em rédea livre?

Claro que não, podia lá ser em Portugal - um país em que se presume que todo o negócio envolve trapalhões e vigaristas -, as sociedades de advogados não estarem sujeitas à supervisão de ninguém.

Claro que estão. Estão sujeitas à supervisão da Ordem dos Advogados.

Acontece é que a presidir ao órgão máximo de justiça da Ordem dos Advogados, que é o seu Conselho Superior, está lá um advogado posto pela própria Cuatrecasas (cf. aqui). Resulta que a Cuatrecasas nunca irá cometer qualquer infracção disciplinar e, muito menos, qualquer crime. Eu próprio já testei aquilo que afirmo (cf. aqui).

A conclusão que se impõe é a seguinte. Quem, algum dia, desejar branquear capitais, ou envolver-se em outras operações financeiras que impliquem crimes (v.g., fuga ao fisco, financiamento ilegal de partidos políticos), não deve procurar um banco ou uma sociedade financeira. Ainda vai preso.

Deve procurar uma sociedade de advogados. 

No caso das grandes operações de branqueamento por parte das grandes máfias internacionais, convém que a sociedade de advogados seja uma multinacional, como a Cuatrecasas, para, no país receptor, estar alguém de confiança para receber a pasta.

A Cuatrecasas tem um currículo quase imaculado a fazer transferências internacionais. Só foi apanhada uma vez (cf. aqui).

(Continua acolá)

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