(Continuação daqui)
77. A cultura da patranha
No post anterior, referi a cultura de desbragamento intelectual que vigora na justiça portuguesa. Nas peças processuais e no julgamento, tal como eu pude ver em directo, qualquer patranha, desde que seja dita por um jurista, passa como uma asserção respeitável que deve ser considerada e tomada a sério.
Esta situação resulta de a mentira ser livre na justiça em Portugal, toda a gente pode mentir, com uma única excepção - as testemunhas. Quanto aos outro, que são sobretudo a corporação dos juristas - advogados, magistrados do MP e juízes - esses podem mentir à vontade. O arguido também pode mentir em sua defesa.
Este ambiente de mentira desbragada talvez assente na convicção de que a verdade acabará sempre por prevalecer. Mas não. O julgamento de Cristo é paradigmático a este respeito. E, como o meu próprio julgamento de primeira instância demonstrou, e a decisão do TRP confirmou, a verdade é geralmente minoritária. Nos embates entre a verdade e a mentira, as chances estão do lado da mentira, e a razão é que sobre uma verdade (v.g. "a parede é branca") podem-se contruir infinitas mentiras ("a parede é azul", "a parede é preta", etc.).
Durante o julgamento de primeira instância no Tribunal de Matosinhos, a única pessoa que falou no direito à liberdade de expressão fui eu e logo na sessão inicial, mas não por muito tempo, porque o juiz prontamente me interrompeu, talvez por receio que eu demonstrasse logo ali a futilidade do julgamento e de todo aquele aparato.
Porém, nos quatro meses seguintes em que durou o julgamento, eu não me cansei de falar na CEDH e na jurisprudência do TEDH aqui no blogue, que todos liam, e era óbvio que chegados às alegações finais, o assunto não podia ser evitado.
O primeiro a referi-lo foi o magistrado X (Ferreira da Rocha) que, no meio de um discurso improvisado e bastante embrulhado [ele tinha perdido as notas que preparara para as alegações finais, um indício do profissionalismo que reina no MP], disse que a jurisprudência do TEDH não se aplicava a Portugal.
Eu fiquei de boca aberta, mas ele prosseguiu impávido, e impávido permaneceu o juiz.
Pouco depois, foi o Papá Encarnação que veio dizer que a jurisprudência do TEDH não se aplicava a mim porque eu não era jornalista.
-Que grande palhaçada,
pensei eu, sentado no banco dos réus.
Logo que saí cá para fora, vim gravar o momento no blogue: cf. aqui
(Continua acolá)
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