(Continuação daqui)
73. Condenar um inocente
Eu nunca esperaria ver argumentado pelo juiz de um tribunal superior, ainda por cima vogal do CSM, que a liberdade de julgamento, que é reconhecida aos juízes, serve também para condenar inocentes. Mas é isso mesmo que decorre da argumentação do juiz Filipe Caroço na defesa corporativa que faz dos seus colegas Vaz Patto e Francisco Marcolino, e que foi validado pelo vice-presidente do CSM, juiz Azevedo Mendes (cf. aqui).
O Tribunal da Relação do Porto considerou fortemente restringida a minha liberdade [de expressão] ao condenar-me, mas parece que toda a liberdade que me tirou a mim e provavelmente está disposto a tirar a todos os cidadãos do país é transferida para os colegas do juiz Caroço que, esses sim, passam a ter uma liberdade [de julgamento] sem limites, até para condenar inocentes.
Condenar um inocente não é liberdade nenhuma, é um abuso maléfico da liberdade. Condenar um inocente não é sequer trabalho judicial. É crime. É o crime de calúnia. A que se juntou ainda, no meu caso, o crime de extorsão, tendo eu sido obrigado a fazer pagamentos (v.g., indemnizações, multas, custas judiciais), sob a ameaça do poder coercivo do Estado, que não eram devidos, e dos quais nesta data ainda não estou ressarcido.
O motorista que conduz o seu autocarro por uma ribanceira abaixo, não está a trabalhar, está a cometer um crime. O cirurgião que opera um paciente para lhe extrair o apêndice e acaba a tirar-lhe o coração, não está a trabalhar, está a cometer um crime. O juiz que condena um inocente não está a fazer trabalho nenhum, está a cometer um crime (calúnia) e, às vezes, mais do que um, como extorsão ou sequestro.
A forma como o juiz Filipe Caroço utiliza a ideia de liberdade é muito representativa da desvalorização relativa que a nossa cultura católica de portugueses faz da liberdade. Para esta cultura, a liberdade é o caminho para o pecado (cf. aqui, § 1739). Pelo contrário, na cultura protestante, de onde vem a democracia liberal, a liberdade é o caminho para Deus (cf. aqui), significando ao mesmo tempo, o Bem, a Verdade e a Justiça. (O oposto, mutatis mutandis, vale para a ideia de autoridade).
O contraste entre o significado da liberdade nestas duas correntes do cristianismo ganha toda a clareza quando se põe em confronto a decisão dos juízes do TEDH com a decisão dos juízes do CSM. Os juízes do TEDH usam a liberdade [de expressão] para fazer justiça, isto é, para me inocentar de crimes que não cometi e pelos quais fui condenado. Os juízes do CSM usam a liberdade [de julgamento] para praticar a injustiça, para inocentar os seus colegas do TRP que cometeram o crime de condenar um inocente.
Condenar um inocente - curiosamente também por difamação porque a blasfémia é a difamação de Deus -, foi o crime cometido por juízes, há dois mil anos atrás, que mudou o curso da civilização ocidental. Pode ser que desta vez sirva ao menos para mudar o curso da Justiça em Portugal.
(Continua acolá)
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