A Decisão do TEDH (61)

 (Continuação daqui)

O momento, captado pelo cartoonista Fernando Arroja, em que o advogado Avides Moreira tira o papel da pasta

61. Impostura

Certo dia em Maio de 2018, entre duas sessões do meu julgamento, ao volante do meu automóvel, ocorreu-me colocar a mim próprio a seguinte questão: "Se eu tivesse de escolher uma palavra - uma só - para caracterizar aquilo que estava a viver na sala do Tribunal de Matosinhos, que palavra escolheria?"

A resposta foi: Impostura (cf. aqui).

Um dos momentos mais marcantes da Impostura, que foi ao mesmo tempo um momento revelador da cultura corporativa, de aparências, de salamaleques e de vacuidade que vigora na justiça portuguesa, tinha ocorrido na sessão anterior e teve o advogado Filipe Avides Moreira como protagonista.

A meio do seu depoimento, Avides Moreira repentinamente tira um papel da sua pasta,  levanta-se da cadeira com grandes gestos e anuncia que vai fazer uma revelação. 

Foi o suspense na sala. O silêncio era de chumbo. Sentado no banco dos réus, fiquei sem respiração.

Foi então que, já de pé, os gestos cada vez mais largos, uma profunda solenidade na voz, anunciou que iria revelar o conteúdo de um e-mail que o Hospital de S. João (HSJ) tinha enviado à sua assessora jurídica Cuatrecasas de que ele próprio era, na altura, o director no Porto, sucedendo ao Paulo Rangel.

Ups!, pensei eu, agora agitado no banco dos réus - crime de violação da correspondência privada!

Mas não.

Exibindo o papel bem visível na sua mão para que todos vissem o timbre da Ordem dos Advogados, o advogado Avides Moreira anunciou, em seguida, alto e bom som que tinha pedido autorização à Ordem para o fazer, e em passos largos e decididos avançou para a tribuna do juiz onde depositou a autorização com a mão firme e o ar mais sério deste mundo.

Nessa altura, eu não me contive, distendi-me no banco dos réus e pensei: "Que grande patife, em lugar de pedir autorização ao HSJ, foi pedir à Ordem".

(Fonte: cf. aqui)

(Continua acolá)