11 março 2024

Mil e uma (30)

 (Continuação daqui)



30. O debate 

Para a cultura protestante, a liberdade de pensamento e de expressão possui um carácter sagrado porque é pelo estudo das Escrituras e pela discussão livre das ideias acerca da sua interpretação que cada pessoa chega a Deus. O debate livre é o caminho para Deus.

E para um católico?

Para um católico o debate livre das ideias não serve para nada porque o caminho para Deus é o caminho para a missa e para a eucaristia dominical presidida pelo padre.

Tudo aquilo que se refere a ideias na cultura protestante degenera em pessoalização na cultura católica, e assim acontece com o debate.

Na cultura protestante, o debate é um processo construtivo, orientado para a Verdade e para Deus, onde cada um é suposto acrescentar às contribuições dos demais. Pelo contrário, na cultura católica o debate torna-se um processo destrutivo, de confronto de personalidades, onde cada um procura fazer parecer mal os demais para que ele próprio possa sobressair como o melhor dentre eles.

A própria palavra "discussion" que em inglês tem o sentido de um debate construtivo das ideias, quando traduzida para uma língua católica, como o português - "discussão" -, rapidamente adquire um sentido pejorativo de uma altercação entre pessoas exaltadas.

Quer dizer, na sua verão original, a democracia, cujo direito fundacional é precisamente o direito à liberdade de  pensamento e de expressão, é um processo público de discussão orientado para a Verdade e para o Bem, onde cada um - se não tiver uma contribuição positiva para dar - está eticamente impedido de denegrir a contribuição dos outros.

Pelo contrário, na sua imitação católica, a democracia, cujo direito principal se torna o direito de voto - onde cada cidadão represente um Zé Ninguém (cf. aqui) - converte-se num processo de altercação entre os principais líderes partidários, em que o objectivo de cada um é fazer parecer mal os outros, e em que o melhor de todos eles é aquele que mais consegue fazer parecer mal os outros.

Na sua versão original e protestante, a democracia é um processo social construtivo onde cada um está obrigado a fazer parecer bem os outros porque todos estão orientados para a Verdade e para o Bem. Na sua imitação católica, a democracia converte-se num processo social destrutivo onde cada um procura fazer parecer mal os outros, acabando generalizadamente na agressão verbal, na má-língua, na suspeita e na calúnia. 

(Continua acolá)

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