07 fevereiro 2024

A crise da democracia partidária (5)

 (Continuação daqui)


Armando Ferreira, presidente do Sindicato Nacional da Polícia


5. A permissividade


A democracia partidária ou liberal nunca vingará como regime político duradouro em Portugal, a menos que o catolicismo seja um dia proibido, como aconteceu em Inglaterra ou na Prússia em séculos passados.

A democracia liberal ou partidária é um produto da cultura protestante do norte da Europa, que pôs de parte a figura de Maria (e dos santos) para admitir apenas a veneração de um homem, que é também Deus - Cristo.

Mas o que é que haverá na cultura feminina do catolicismo - o qual tem por centro a figura de Maria - para inviabilizar a democracia liberal nos países de tradição católica, como  Portugal?

A resposta está numa nuance da natureza feminina face à natureza masculina.

A democracia liberal assenta num conceito de liberdade musculada, ao qual está associada a ideia de Estado de Direito ou Rule of Law.  Primeiro, a liberdade, como tudo na vida, tem limites. Segundo, a liberdade existe dentro dos limites definidos pela Lei e qualquer transgressão desses limites é pronta e severamente punida. 

Ora, é precisamente a questão dos limites que, num país de tradição católica facilmente faz deslizar a liberdade para algo que, parecendo muito semelhante à liberdade e até a sua continuação natural, é, na realidade, diferente e tem consequências catastróficas para a própria  democracia  liberal - a permissividade.

Ilustro o argumento com um exemplo extraído da actualidade portuguesa.

A democracia liberal comporta a liberdade sindical. Os metalúrgicos, os electricistas, os pedreiros são livres de se organizarem em sindicatos e defenderem os seus interesses de classe perante outros segmentos da sociedade e, em primeiro lugar, perante os seus respectivos patrões, que foi para isso que os sindicatos foram criados.

-E os polícias?

Na forma analógica de pensar que é própria da cultura católica e da condição feminina, a resposta a esta questão é dada da seguinte forma: "Se os metalúrgicos, os electricistas e os pedreiros podem ter um sindicato, por que é que os polícias não hão-de poder ter?", é é assim que, em breve, se permite também a existência de um sindicato de polícias.

A verdadeira resposta a esta questão é, porém, diferente. Os polícias não podem ter um sindicato porque esse sindicato poria em risco o próprio regime de democracia liberal que o consentisse.

Permitir um sindicato aos polícias é institucionalizar a luta de classes entre a polícia e o seu patrão, que é o Estado. A consequência é que,  se um dia essa luta se extremar, os polícias utilizarão como arma na sua luta contra o Estado as armas de verdade que têm sempre ali à mão. 

Conceder liberdade sindical aos polícias é abrir as portas à insurreição armada e, no limite, à revolução. Como se viu recentemente em Portugal, uma simples declaração de um dirigente  sindical da PSP pôs o regime a tremer (cf. aqui).

Permitir um sindicato aos juízes e outro ao Ministério Público produz os mesmos efeitos, como se tem visto recentemente em Portugal, com maior nitidez no caso do Ministério Público. É ele que detém o poder  no país destituindo governos democráticos a seu bel-prazer.

(Continua acolá)

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